Pular para o conteúdo principal

Extinção

Todo mundo sabe que para ter amor, antes é preciso cultivá-lo consigo mesmo para que outros se atraiam. Mas e quando realmente atraímos outra pessoa, nos envolvemos e nos entregamos a ela, e as coisas acabam não dando certo; para onde vai esse amor? Não há nenhum guia que nos ensine passo a passo como esquecer alguém ou as lembranças felizes do tempo que passamos juntos, ou então que nos ajude a superar a dor das traições, mentiras e decepções que deram início à distância. Talvez a indústria de auto-ajuda até calcule um certo mercado alvo em cima de corações partidos e frágeis, dispostos a tentar qualquer coisa para esquecer o amor que cultivaram até o último momento em que acreditavam existir, somente para o encontrarem despedaçado com suas lágrimas ao redor.

No entanto, ainda há algumas regras que podem ajudar a recolher os pedaços do seu coração e orientá-lo de volta ao caminho da esperança, ou pelo menos à sua sanidade mental. E começa a partir do momento em que você revê os fragmentos da vida conjunta que possuiam; fotos, cartas, palavras, dentre tantas outras coisas aparentemente descartáveis, mas que foram trocadas sem nunca imaginar-se que o amor entre vocês poderia ser descartável também. E quanto às fotos que tiraram juntos, é melhor manter longe dos olhos por um tempo; especialmente aquelas em que ela parece maravilhosa, e você parece feliz.

Outra tendência que segue com a fragilidade do trauma de uma separação e início do processo de extinção de um relacionamento é aprender a mentir; a não entregar tão facilmente seus pensamentos e sentimentos para outras pessoas que julgamos que talvez não saberão como lidar com eles, e que se os possuirem, é arriscado até mesmo os usarem contra nós. A partir disso, passamos a nos retrair um pouco, alguns até a se esconder em seu mundinho, com medo de sair novamente e quem sabe encontrar alguém novo. Bom, apesar do receio, é preciso enfrentar o medo e sair porta afora, em busca daquele algo a mais, uma vez mais. Aqueles que ainda não se sentem tão preparados dizem que estão felizes sozinhos; afinal, não existe perigo enquanto não tentarmos nos entregar para outra pessoa de novo, e muito menos tentar lidar com outras neuroses a não ser com as nossas para variar também.

E então, existe o momento definitivo. Depois de noites mal dormidas, lágrimas enxugadas e palavras não ditas, e quando menos se esperar, a pessoa que partiu seu coração cruzará seu caminho de novo. Você terá uma escolha; pode fugir, ou pode seguir em frente mesmo que isto signifique que ambos passarão reto um pelo outro, provando que a extinção do seu amor foi completa, pelo menos para o mundo exterior. Então vocês se cruzam, não se falam e sequer se olham, e cada um segue seu rumo. Enquanto ela se vai, você tenta recuperar o fôlego e impede que o que sobrou do seu coração saia pela boca, sem nunca imaginar que, talvez, foram dois corações partidos que se cruzaram naquele corredor.

Existe uma razão pela qual eu imagino que, apesar das minhas crenças e sonhos, talvez eu seja mais feliz sozinho, pelo menos por enquanto. Não é porque eu realmente seria feliz sozinho, mas porque imagine se eu amar alguém de verdade, e este alguém for recíproco até certo ponto, até que um dia tudo desabe. Talvez eu não sobreviva; por isso é mais fácil estar sozinho. O que poderia acontecer se você descobrir que precisa daquele amor, mas que não poderá mais tê-la? E se você gostar demais e se apoiar nela? E se construir sua vida ao redor dela, somente para perdê-la em seguida? Seria mesmo possível sobreviver a esse tipo de dor? Perder o amor é como morrer; a única diferença é que a morte termina. Enquanto isto, talvez nunca esteja realmente extinto. Pelo contrário; pode doer para sempre.

Ao som de: You Lost Me – Christina Aguilera.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento