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Você

Estranho como eu já nem pensava mais em você. Aliás, até certo tempo atrás, eu nem conseguia me lembrar direito dos momentos que passamos juntos. Mas com uma conversa, num piscar de olhos, as lembranças de todos aqueles dias voltaram a mim. Lembranças de sorrisos e risadas, lágrimas e abraços, brigas e mal entendidos; um relacionamento de seis meses que demorou um ano para morrer. Isto é, um relacionamento que sequer foi um relacionamento, mas que foi intenso o bastante para se tornar inesquecível. E mesmo agora, dois anos depois, ainda consigo me lembrar do seu perfume, do som da sua risada, das coisas que me dizia, de como fazia eu sempre me sentir bem mesmo quando o mundo era injusto comigo, e quando nos meus piores momentos, você fazia de tudo para não me deixar derramar lágrimas. De todos os amores, de antes até agora, nenhuma chega aos pés de tudo o que você fez por mim, ou do que ainda significa para mim mesmo sem estar presente. Nunca me senti sozinho com você; consegue se fazer presente mesmo que distante, assim como eu sempre tentei ser.

Eu me lembro das nossas caminhadas sem rumo em noites quentes, da intimidade instantânea que sentimos no momento em que nos conhecemos, dos jantares e pequenos intervalos entre compromissos que passamos juntos, e tudo mais que fez de nós, nós, sem nunca estarmos realmente juntos. Algumas coisas continuam inexplicáveis, indefiníveis até hoje, e só de pensar nas coisas que fizemos, de tudo o que fiz por você, para você, de como me deixei de lado para suprir suas vontades e tentar sempre te oferecer o melhor, meu melhor, honestamente não consigo sequer me reconhecer. Algumas coisas provavelmente não faria de novo, outras faria melhor, faria mais do que poderia imaginar, mas definitivamente não me arrependo de nada. Confessei a você sobre como minha vida só havia realmente começado depois que te conheci, e que sem você as coisas não faziam sentido. Confessei sobre como havia fugido do meu passado por outra mulher, e que o sentimento se repetiu só de pensar em me separar de você. Um sentimento que, doze meses depois, continuou a me assombrar até que eu fui forçado a crescer, amadurecer como você sempre me aconselhou, e a abrir mão de você - como você sempre sugeriu que eu fizesse. Fazia questão de me lembrar que não estaria comigo para sempre, e eu fazia questão de te ignorar, te tentar fazer você mudar de ideia, de tornar eu e você em nós.

Tantas coisas que eu lhe disse, somente a você, mas que aprendi a lentamente começar a compartilhar com o resto do mundo, mesmo que as outras pessoas não entendessem ao certo. Com você podia ser honesto, do desnecessário ao incompreensível, você me cativava ao dizer que entendia, que sentia o mesmo, e que eu poderia sempre contar com você para dividir o fardo dos problemas que o mundo insistia em descarregar em mim. Fizemos planos juntos, trocamos segredos, dividimos risadas, demos as mãos, nos abraçamos, mas nunca dissemos adeus. A dor de não conseguir ver você partir foi tão grande que não consigo me lembrar agora; como se meu organismo tivesse rejeitado esta lembrança, e meu coração, apesar das vitórias, nunca mais foi o mesmo depois de você. Tentei entregá-lo a outras, sem sucesso, e quando me pego em desilusão é o seu rosto que me aparece, como um consolo de que já havia passado por coisa pior, que na verdade foi a melhor, e que certamente poderia sobreviver a qualquer outra, se me mantive quase inteiro depois de você.

Eu nunca disse que te amava; pelo menos não para você. E depois de você, nunca mais disse a nenhuma também. Porque se você foi a maior emoção que eu já havia tido, não tinha sentido em dizer a outra que a amava se aquilo não passava de uma experiência vazia, um sentimento oco com ecos de luxúria e desejo e nada mais. Não, não poderia dizer a outra que estava apaixonado, enquanto você continuasse a ser meu ponto fraco, aquela que deixei partir ao mesmo tempo em que fiz de tudo para que ficasse, senão comigo então pelo menos por perto, em vão. Você se foi, e nem eu nem a cidade fomos mais os mesmos. Talvez a cidade tenha melhorado, eu apenas mudei; ainda não sei se para bom ou para ruim. Definir-me em tais termos ainda parece uma tarefa bastante confusa, especialmente porque você não está aqui para me ajudar a clarerar minhas ideias, ou então para fazer eu me sentir melhor ao fim de um dia difícil. De tudo me lembro mais do quão bem você fazia eu me sentir, até mesmo em nossos momentos ruins. Lembro do seu último olhar para mim, e de como não fui homem o bastante para encará-la de volta. Nunca dissemos adeus, e talvez seja por isso que você tenha decidido reaparecer em minha vida; para lembrar-me de que o que tivemos, independente do que tenha sido ou não, foi inesquecível para você também.

Quanto mais remexo em meu passado, mais eu percebo que um ponto final está longe de se colocar em nossa história, visto que ainda há tanto para ser dito sobre algo que foi tudo ao mesmo tempo em que não foi nada demais, mas que nos tornou melhores hoje por isto. Talvez nos reencontremos um dia, afinal hoje tive aquela visão que há tempos não imaginava, de ver você esperando por mim no portão de casa ao fim do dia; me convidaria para sentar ao seu lado e dizer como eu estou, e se não estivesse bem, não sairia dali até se certificar de que não derramaria lágrimas quando você virasse as costas. Acho que você se orgulharia de mim hoje, se pudesse me reconhecer. Nem eu me reconheço quando me lembro de quem costumava ser com você, ou até mesmo antes de conhecê-la. Mas não, não me arrependo; só sou grato, apesar dos apesares, por tudo que fez e ainda continua a fazer por mim, e por não ter desistido do mesmo modo que fiz em meu momento de fraqueza. E se estivesse aqui agora, certamente me olharia nos olhos e diria que não tenho motivos para me sentir mal, e faria eu me sentir ainda melhor por estar ao seu lado. Veria que o apartamento vazio em que nos reuníamos agora esta completo, inclusive com um pouco de vida. Veria que o garoto que você conheceu também cresceu, pelo menos o bastante para admitir derrota e reconhecer seus erros. Tudo parece diferente, mas meu coração continua igual, e continua sentindo a sua falta. Sinto muito pelos desentendimentos e, se serve de consolo, agora entendo porque não estamos juntos; não era você para mim, apesar de ter dado minha vida em suas mãos e você ter feito muito mais do que eu esperava comigo. Mas quando ler este meu novo apelo, leve isto com você; se só o que eu puder lhe dar hoje são palavras, saiba que de todas as mulheres você ainda é o melhor amor que eu não tive, o maior que já senti, e o mais doloroso de se abrir mão.

Nos vemos em breve.

Ao som de: The Only Love I Had – Venice.

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