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O presente perfeito

Eu precisava de um tempo; não sei explicar melhor do que isto. Quando a vida como você conhece desaba sob seus pés, a melhor coisa a fazer e tentar se recompor, reerguer-se e voltar à ativa. Mas algumas coisas levam mais tempo para serem absorvidas, e algumas feridas não se curam da noite para o dia. Por isto eu tirei um tempo – muito tempo – longe dos meus desastres atuais e viajei de volta ao meu passado, onde meus velhos erros já haviam sido esquecidos há muito tempo, e onde eu achava que meus novos erros não poderiam me alcançar. Mas enquanto eu visitava meu passado em Londrina, meu passado de Cascavel ainda assim conseguiu me alcançar, e me pediu que eu voltasse para casa. Mesmo em meu antigo lar, não pude deixar de me sentir mais distante de casa do que nunca, e me fez pensar que, realmente, não se pode fugir do passado. No entanto, é possível chegar a um futuro se seu passado continua presente?

É verdade que Londrina e eu não tivemos o passado perfeito, mas o tempo eventualmente apagou as marcas dos meus desenganos e tornou possível que eu pudesse ser recebido pela cidade para ocasionais visitas, e meus velhos amigos também não deixavam a desejar. Apesar disso, parecia melhor do que nunca; de repente, todos queriam me ver, e eu mal podia esperar para rever as ruas, as luzes e os rostos que marcaram uma fase que, apesar de fazer parte do meu passado, sempre dava a sensação de que tempo algum havia decorrido, e num piscar de olhos estávamos todos de volta a 2008. E quanto mais eu me envolvia, mas eu percebia que não queria voltar para casa, enfrentar meus problemas e tentar recomeçar uma vez mais, em parte porque já não sabia se ainda possuía forças o bastante.

E então, algo curioso aconteceu. Durante um jantar em meu antigo lar, um dos meus amigos encontrou guardado em minha carteira minha antiga carteirinha de estudante da faculdade de Jornalismo – um destino que abandonei em meados de 2009, e ainda certo de que fiz a escolha certa. Determinado a realizar uma espécie de terapia de choque, meu amigo atirou a carteirinha pela janela, e não pude deixar de pensar que ele estava certo em desfazer-se de uma parte do meu passado que eu, mesmo inconscientemente, ainda carregava comigo. Três dias depois, eu estava sentado no ponto de ônibus em frente ao meu ex-condomínio esperando pela condução para chegar à cidade, quando o porteiro chegou a mim antes, e me entregou a carteirinha que havia encontrado bem longe da onde ela havia caído, mas que de algum modo ainda conseguiu me alcançar. Ao segurar aquela carteirinha em mãos, eu percebi que não podia negar meu passado do mesmo modo que também não podia esquecê-lo, e naquele momento tornou-se claro que, assim como a carteirinha pertencia ao meu passado, a cidade de Londrina também, e para seguir em frente foi mesmo preciso ir embora.

E então, duas semanas, trezentos e quarenta e seis quilômetros e quatro quilos a mais depois, eu estava de volta ao meu presente. Claro, eu não era mais o mesmo, assim como a cidade de Cascavel que conheci quando cheguei aqui pela primeira vez. Estava em um novo lugar, definitivamente mais verdadeiro e certamente inegável até mesmo aos meus olhos. Assim, eu enfrentei meu passado e retomei meu presente nada perfeito, mas com esperanças de chegar a um futuro melhor. É, o tempo é uma coisa engraçada, e nunca deixa de me surpreender.

Ao som de: Starting Here Again – Venice.

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