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Pecado nada original

Nós sabemos que é errado correr atrás de alguém que já possui compromisso, mas e se ela for irresistível demais para nos mantermos afastados? Nós sabemos que é contra a lei tomar posse de algo que não é nosso, mas e se nossa necessidade for maior do que nossos valores? Nós sabemos que não devemos desejar o mal a ninguém, mas e quando nossa própria dor nos faz causar danos a alguém que nos feriu? Existem várias coisas erradas no mundo cujas quais nós sabemos que não devemos fazer, mas quem de nós pode realmente afirmar que nunca cometeu um erro mesmo sabendo que era um engano enquanto estava cometendo-o?

A história do mundo tem sua raiz em um pecado original, e nós todos a conhecemos; um homem e uma mulher que tinham tudo e viviam juntos em harmonia no paraíso se depararam com uma sedutora serpente que tentou atraí-los até uma árvore onde se encontrava um fruto proibido – o único em todo o seu jardim que não podiam ter. Mas como é de se esperar da natureza humana nesses casos, aquele fruto tornou-se exatamente o único que desejavam e ao serem levados até ele pela tentação, pela sensação de perigo e proibição que só serve para nos excitar cada vez mais, a mulher deu a mordida definitiva que causou com que o casal fosse expulso do paraíso. Sendo assim não havia mais para onde correr a não ser por um lugar; o mundo real, onde cada um de nós já teve alguma péssima experiência para compartilhar depois de ter sido conquistado por suas próprias tentações.

Somos atraídos por tudo aquilo que não podemos ter do mesmo modo que não damos atenção às coisas que estão livres para nós e o mesmo vale para pessoas. Por isso mentimos, traímos, enganamos, enrolamos, acobertamos e guardamos tantos segredos que só confessamos quando a consciência torna-se pesada demais para suportarmos, pois nenhum de nós pode realmente pecar sem ser tomado pela culpa em seguida. Não há explicação ao certo sobre nossa atração pelo proibido, mas certamente é algo que foi feito para ser igualmente difícil de alcançar, prazeroso de se viver, e doloroso de se superar.

Claro, há a redenção e sempre podemos dar meia volta quando percebemos que estamos equivocados e nossas ações uma vez cometidas não poderão ser revertidas, e não há como saber se seremos fortes o suficiente para lidar com as conseqüências. No entanto, nem todas as pessoas se sentem mal pelas coisas ruins que fazem, ou pior – às vezes fazem com que se sintam ainda melhores a ponto de continuarem espalhando migalhas do fruto proibido por aí.

Não há nada de original em nossos pecados, a não ser por nossa insistência em revivê-los. Mas quem de nós pode afirmar nunca se rendeu à tentações? Pode ser um prazer culposo, mas a ênfase continua sendo o prazer. E assim a velha história se repete e só o que muda são as formas que os frutos proibidos tomam para nos atraírem até eles. E nenhum de nós está a salvo de recusar uma mordida.

Ao som de: Juicy – Better Than Ezra.

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