Depois de morar sozinho por alguns anos, eu me acostumei a tomar conta de mim mesmo e, com isso, descobri que existem alguns tipos de dores cujas quais não é preciso suportar. Por isso eu sempre mantinha aspirinas para dor de cabeça na minha mochila para quando esperava que tal dor viesse a nascer, remédio para gripe perto da porta para quando fugisse de uma tempestade, e sal de frutas em cima da geladeira para evitar o enjôo após uma refeição extra. Por isso, nos dias em que sabia que beberia algumas cervejas a mais, eu mantinha meu melhor amigo pós-balada cuidadosamente guardado perto da pia com um copo; tudo para facilitar a operação quando chegasse em casa cambaleando e já com a sensação de as conseqüências viriam com manhã seguinte. Infelizmente, uma das partes ruins de morar sozinho é que não tem ninguém para te lembrar que acabou o Engov.
Todos nós já embarcamos nesta tortuosa aventura que começa logo após você perder a conta de quantas cervejas tomou, ou então de que se era mesmo cerveja o que estava tomando quando chegou na balada. Alguns precisam acordar cedo para trabalhar, mas não se preocupam com o cansaço enquanto curtem um bom "tchê tchererê tche tche!". Outros sabem que devem cuidar para manterem-se lúcidos, após terem encontrado com a ex na fila de entrada. E sempre existem aqueles que fazem a solene promessa de que saíram para se divertir, mas sem beber. Mas quando se está em uma roda de amigos com música animada e cercado de letreiros luminosos de marcas de bebidas que iluminam a noite, pode ser difícil não ficar com sede.
E então, quando menos esperamos, nós fugimos de nossos próprios corpos apesar de continuarmos nos sentindo os mesmos, mas as mudanças ficam claras para nossos amigos. Eles percebem que a vodca está nos subindo à cabeça quando tentamos um novo passo de dança, ou então que o uísque está nos possuindo quando sumimos da roda e aparecemos meia hora depois com a ex que encontramos, ou que o champanhe tomou conta de nós quando pulamos e cantamos mais alto que a música. Mas a medida que as garrafas se acumulam e os estoques dos bares vão esvaziando, nossa sanidade também tende a se esgotar, e não há quem diga que já não sofreu com algumas boas ressacas para provar.
Existem dois tipos de ressacas: a física e a moral. A física é aquela que age com os sintomas clássicos (dor de cabeça, enjôo, tontura) e que jogado na cama com uma leve vontade de cometer eutanásia, ou de que as respostas para todos os problemas do universo estão na sua cabeça e você só se deu conta disso por causa daquela mancha no teto que parece igualzinha ao Jô Soares – e estava rindo de você. Nós lidamos com a ressaca física com aspirinas, sucos naturais e óculos escuros, e eventualmente é questão de algumas horas (ou dois a três dias em casos mais extremos) para que a sensação de "nunca mais vou beber" deixe nosso organismo, mas a ressaca moral não é tão fácil de se superar; ou pior, de se esquecer.
Ressaca moral é a combinação de todas as coisas embaraçosas que você fez na noite anterior (como pegar uma velha de quarenta anos, bater o carro, ou gritar na balada que agora você é solteira e ninguém vai te segurar) que voltam para se assombrar não só no dia seguinte – pois seus amigos farão questão de que seja o assunto do dia - mas que continua a gerar vergonha contínua até que um de seus amigos apronte algo pior. Não há como definir quanto tempo exatamente uma ressaca moral dura; às vezes pode ser uma semana, às vezes pode acabar sendo a frase que coloquem em seu túmulo trinta anos depois.
Mas apesar dos perigos que existem no mundo após a décima quinta cerveja, nós continuamos a sair e nos divertir livres, leves e soltos, porque o álcool é um veneno, mas existem algumas coisas dentro de mim que eu preciso matar. E nem adianta dizer que nunca mais beberá; é uma promessa que você só cumprirá até o próximo final de semana.
Ao som de: Balada Boa (Tche tchererê tche tche) – Gusttavo Lima.
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Sim, eu estou de ressaca.
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