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Jéssica

Romantismo não é uma característica qualquer dentro da minha personalidade complexa, perturbada e complicada; na verdade é um dom, e por pouco não me esqueço disso. Eu estava deitado olhando para o teto do meu quarto e contemplando o tédio que toma conta da minha vida durante as tardes de Domingo, quando meus pensamentos lentamente se voltaram para o mesmo foco de sempre – amor – e todas as protagonistas que já passaram por meu coração e estrearam uma série de dramas que eu gosto de chamar de "minha vida", mas nesta tarde algo mudou. Depois de rever todos os rostos possíveis em minha mente, eu não pude deixar de imaginar sobre como tudo isso – esses amores, esses dramas, essa vida – realmente começou. E então eu me lembrei de um momento definitivo - um beijo - que aconteceu anos atrás e que foi fundamental para que eu me tornasse... Eu.

O ano era 2003. Eu tinha 12 anos e estava no meio de uma viagem de férias aqui mesmo em Cascavel, visitando meu pai e curtindo toda a inocência e felicidade de uma infância normal. Até que um dia, enquanto meu pai estava fora e eu brincava sozinho no parquinho do prédio, ela apareceu. Seu nome era Jéssica. Ela era um ano mais velha do que eu e perguntou o que eu estava fazendo. Eu não conhecia outras crianças em Cascavel porque a cada vez que eu visitava meu pai, ele estava morando em um apartamento diferente. Aquela era a primeira vez em que eu estava visitando-o no mesmo prédio da última vez, mas eu nunca havia visto a Jéssica antes até então. Ela se sentou na areia comigo e começamos a conversar – uma conversa que só terminou quando o sol se pôs e nossos respectivos pais nos chamaram para voltar para dentro. Combinamos de nos encontrar de novo no dia seguinte; algo que ao passar de uma semana tornou-se uma rotina.

Quando a semana chegou ao fim, eu perguntei à Jéssica o que ela faria no Sábado. "Nada? Então por que não vem brincar em casa?" Ela disse sim, e me fez sentir algo no meu peito que eu nunca tinha sentido antes. Naquela noite, eu fiz algo que até então eu mal sabia que se tornaria uma marca registrada minha: eu coloquei a melhor roupa que pude encontrar, arrumei a mesa de jantar da sala de estar cuidadosamente, procurei deixar o desenho favorito da Jéssica passando na televisão, pedi ao meu pai uma gravata emprestada, e esperei pacientemente a campainha tocar. Meu pai perguntou por que eu estava tão nervoso, e eu lembro que não soube responder e só pedi que ele não me incomodasse. Então, a campainha tocou e meu coração disparou, e eu corri para atender a porta.

Era a mãe da Jéssica, com ela do lado. As duas se surpreenderam quando a porta se abriu e eu estava ali, com meus 12 anos e todo formal, esperando pela minha amiga. Foi aí que eu descobri uma outra sensação tão nova e forte quanto o coração disparado – a mãe da Jéssica disse que ela se esqueceu de que elas já tinham planos, e a Jéssica iria sair com ela e o pai. Eu balancei a cabeça, disse que entendia e me despedi. Quando fechei a porta, desfiz o nó da gravata e a arranquei com toda a minha força, e corri para meu quarto para chorar. Por que eu estava tão chateado? Ou então, por que eu estava tão animado para ver a Jéssica de novo? Não quis conversa com mais ninguém, e quando não agüentava mais chorar, pedi ao meu pai para descer ao parquinho para brincar sozinho.

Mais tarde naquela noite, eu ainda estava sozinho no parquinho quando o carro dos pais da Jéssica entrou na garagem e me iluminou. A Jéssica e os pais dela desceram do carro, e quando me viram, a Jéssica imediatamente pediu à mãe se poderia ficar ali brincando um pouco comigo. A mãe dela disse que sim, e eles subiram para casa. A Jéssica se aproximou de mim e pediu desculpas por não ter ido ao nosso encontro. Eu disse de novo que entendia, mas ela viu que eu estava chateado.

- Por que você está chateado?

- Não sei. A gente brinca todo dia mesmo. Podemos combinar outro encontro desses amanhã, não é?

- Claro, mas o que era aquela mesa arrumada que eu vi?

- Eu só arrumei pra gente comer um lanche ou coisa parecida. Enquanto assistia aquele desenho que você gosta, sabe?

- Sei. Que legal, Igor. Uma pena que eu não pude ficar.

- Tudo bem...

De repente paramos de conversar e só olhamos um para o outro. E olhamos um para o outro por mais alguns instantes, até que a Jéssica se aproximou de mim e encostou seus lábios nos meus. De todas as sensações novas que eu já havia tido com ela, aquela foi a que me deixou mais nervoso e ansioso. E também foi a melhor. Em seguida apenas sorrimos um para o outro, enquanto lentamente percebemos o quanto aquela sensação era boa, até a mãe da Jéssica aparecer na janela e pedir para que ela subisse.

- Eu preciso ir. Nos vemos amanhã?

- Claro!

A Jéssica correu para casa para não chatear sua mãe, enquanto eu fiquei sentado na areia do parquinho por mais alguns minutos, tentando entender o que havia acontecido. Quando finalmente voltei para casa, meu pai tentou conversar comigo mais uma vez, mas eu o impedi com uma pergunta.

- Pai. Eu acho que a Jéssica gosta de mim.

- E você, filho, gosta dela também?

- Gosto... Muito.

Nos dias seguintes, eu e a Jéssica não nos vimos tanto, mas continuamos com nossos encontros no parquinho até o dia em que eu voltei para Londrina. Mas na próxima vez em que fui para Cascavel, meu pai ainda morava no mesmo prédio que ela, mas me recebeu com uma má notícia. A Jéssica perguntava muito de mim sempre que encontrava meu pai nas escadas, até o dia em que o pai dela encontrou um emprego em outra cidade que meu pai nem lembrava qual era e eles se mudaram.

Eu nunca mais vi a Jéssica. Na próxima vez em que fui para Cascavel, meu pai já estava em um apartamento diferente, e eu nunca mais vi aquele parquinho. Eu mal consigo me lembrar do rosto da Jéssica, mas sei que tenho uma foto nossa perdida em algum lugar. Por muito tempo eu me esqueci dessa história, até que minha vida amorosa finalmente chegou a um marco zero e me fez refletir sobre quem eu gostaria que estivesse comigo durante uma tarde de Domingo. Nenhum dos rostos familiares pelos quais me apaixonei me veio à mente; apenas a lembrança da primeira menina que gostou de mim e do primeiro e único beijo que eu tive que foi puramente por amor.

Como eu disse, romantismo não é só uma característica qualquer; é um dom. Um dom que eu ainda espero compartilhar com alguém tão apaixonada quanto eu. Eu encontrei o primeiro amor da minha vida em Cascavel, e apesar de não ter sido um dos meus motivos para me mudar para cá, é definitivamente algo que me faz acreditar que eu encontrarei de novo.

Ao som de: The One That Got Away – Katy Perry.

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