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Adorável desilusão


O mundo mudou desde que você se foi. Bom, talvez não o mundo inteiro, mas a parte que eu uso para dormir, rir, tomar café e outras bebidas mais fortes definitivamente não é mais a mesma. Você levou parte deste mundo com você – a parte que construí com você, para você – e me tira o sono e a vontade de rir saber que não posso tê-la de volta. Só não me tira a vontade de tomar café e outras bebidas mais fortes também, porque eu preciso de algo para me manter acordado quando preciso responder à vida, e para fechar os olhos quando a noite cai e é possível roubar alguns momentos de sossego em meio ao turbilhão de rostos, deveres, pressões e lembranças dolorosas dentro do qual eu tento fazer o meu melhor para não me perder mais.

Mas eu acordei disposto a recolocar tudo em seu devido lugar, e a encontrar maneiras de utilizar o espaço vazio que ficou no meu coração logo ali, onde costumava ter um porta-retrato nosso com os nosso sorrisos e um momento congelado do tempo em que parecíamos ser feitos simples e inteiramente de promessas, ao contrário dos arrependimentos e frustrações que se tornaram sinônimos do seu nome para mim hoje. Acontece que eu ainda não sei exatamente o que fazer com este espaço, e às vezes parece que em vês de tentar fazer algo de útil com ele, eu resolvi abrir mão do coração inteiro, que já não parecia mais estar em condições de ser dado de presente para que outra pessoa fizesse dele o que quiser. E com isso eu abri mão de todo o resto; dos porta-retratos, noites sossegadas, sorrisos cheios de promessas, e o efeito do café e outras bebidas mais fortes para me ajudar a responder à vida. Eu cansei de responder, especialmente porque na maioria das vezes me peguei falando sozinho, e não é disso que um coração precisa.

Então, o mundo mudou. O café esfriou, os sorrisos se apagaram, as promessas mentiram, o coração esvaziou-se e seu nome nem significa mais tanto para mim. E o que eu vou fazer com tudo isso, eu ainda não sei. Talvez eu devesse juntar tudo, colocar em uma mala e abandoná-la na sua porta. Quem sabe assim eu não me sentiria mais leve, e um pouco mais determinado a ser otimista e começar de novo. Este café precisa de um novo sabor, e este coração precisa de uma mudança. Podemos quebrar algumas paredes aqui e ali, para dar mais espaço para a esperança conseguir respirar melhor. Podemos fazer deste espaço algo especial de novo, mas temos que repensar algumas coisas antes. Em primeiro lugar, chega de amor. Não do amor em si, mas de chamar de amor tudo aquilo que você definitivamente sabe que tem qualquer outro nome, mas ainda assim insistiu em chamar desse jeito, achando que fosse mudar alguma coisa. Só porque você quer que algo seja especial, não significa que isto vai acontecer. Pelo contrário; só te deixa com menos credibilidade.

Enfim, este sou eu. Igor Costa Moresca: fechado para reformas, para melhor atendimento.
Vou precisar de mais café aqui. Isto pode demorar um pouco.

Ao som de: Creep – Radiohead.

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