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O outono do amor

Eu sempre considerei o Outono como o ensaio geral para o Inverno; é a época de transição entre o fim temporário das peles expostas ao sol fins de tarde na beira de um bar, e o começo do nosso reencontro com os cobertores que passam meses guardados em cima do guarda-roupa e as blusas que hibernam enterradas dentro dele, e todos os cafés e taças de vinho que acompanham a estação mais impiedosa do ano. Mas que, pelo menos, compensa por fazer durar mais os perfumes e embelezar um pouco mais a cidade com aquele tom levemente melancólico e nostálgico que só o ar ridiculamente rarefeito de Cascavel consegue produzir. E é durante esta época transicional em que as folhas das árvores caem para que possam florescer ainda mais belas na Primavera seguinte, que as pessoas podem se sentir inspiradas a realizar algumas mudanças em suas vidas também. E para alguns poucos sortudos em especial, esta pode ser a hora de dar um tempo com os bares e as madrugadas em claro para passar mais tempo dentro de casa e debaixo de cobertores, com um cappuccino em uma mão, e a mão de mais alguém especial na outra.
Antes do pôr do sol e o nascer da primeira madrugada gelada de Cascavel, eu me atrevi ir até o extremo do meu Outono e vivenciar o amor de Verão com o qual eu sempre sonhei, capaz de causar inveja em qualquer Primavera que eu já havia pensado que tinha sido boa. Isto porque, até então, eu parava para apreciar o aroma das rosas sozinho. E com o passar dos dias e o cair das folhas, nem o frio ou a chuva que forçavam sua entrada sob a cidade e em minha vida eram capazes de esfriarem aquilo que parecia aquecer meu coração a cada beijo trocado, cada passo dado em uníssono, e cada rua atravessada de mãos dadas. Pelo visto o amor não era possível apenas no Verão enquanto ainda exista calor o suficiente para dar luz a ele. Nada tem a ver com a estação ou a temperatura, enquanto duas pessoas estiverem dispostas a enfrentarem quaisquer tempestades que não podem ser previstas, ou frentes-frias das quais não podemos escapar. Mas o Outono, assim como tudo nesta vida, tem um começo, meio e fim. E apesar dele ainda não ter chego ao fim, deparei-me com um iceberg em meu coração tão grande que me senti perdido entre as estações. Como o meu amor pôde esfriar tão rápido, se nem as folhas terminaram de cair ainda?
Meu amor de Outono durou quase o mesmo tempo que a estação; foi um mês seco, sem chuvas à vista, com um sol escancarado durante as tardes, mas que sempre criava brecha para que se carregasse um casaco quando se saía de casa à noite. Foi um mês de sorrisos e risadas como eu jamais pude imaginar ser capaz de expor em meu rosto, de longas caminhadas pela cidade e redescoberta de lugares tão comuns, como praças, bancos, ou até mesmo as próprias ruas e curvas desta parte do Oeste do Paraná, que agora possuíam tamanho significado para mim. Tanto significado, que não é mais possível caminhar por eles sem sentir a nostalgia e a saudade do que construímos através deles. Por que não continuei em frente, se a caminhada estava me fazendo tão bem? Por que o Outono não poderia durar para sempre? Porque nada dura para sempre, e eu precisei parar quando senti que o Inverno estava por vir e não seria capaz de enfrentá-lo com compromisso suficiente para alcançar a Primavera. Eu simplesmente não pude, porque você não está destinada a admirar as flores comigo. E a Primavera que está reservada para você – a Primavera que você merece – não receberia todo o sol que lhe é garantido, enquanto minha sombra estivesse no caminho. Você merece alcançar as borboletas, e eu também, mas não chegaremos a elas se continuarmos de mãos dadas e insistindo em seguir direções opostas, sem encontrar nada a não ser chuva. Nada contra a chuva, mas em algum ponto nós precisamos admitir que permanecer debaixo dela nos faria mal, nos adoeceria, e nossa estação não teria um final feliz.
E assim o Outono continua, porém sem nossas caminhadas enfeitando a cidade enquanto o gelo lentamente toma conta do ar e dos sentimentos das pessoas. A geada está chegando, trazendo medo e insegurança, incerteza e insensatez a cada passo frívolo que dá em nossa direção. E talvez tenha sido isso o que acabou com o meu Outono; descobrir que, apesar de todos os planos de alcançar as borboletas, eu esteja frio demais para sobreviver até a Primavera e não seria capaz de manter você aquecida como deve ser até o calor do sol tomar conta da cidade de novo. A estação ainda é a mesma, mas eu preciso admitir o inevitável, vestir minhas blusas e preparar um café bem quente e forte mais cedo este ano. Aproveitem as últimas folhas que caem. Quanto a mim, bem vindo ao Inverno.

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