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Quebrando a banca

Eu não sou um cara convencional, logo era de se esperar que minhas amizades automaticamente seguissem meu padrão caótico de existência, especialmente quando surgem. Quanto a esse outro cara, foi bem simples na verdade: eu precisava de uma carona pra balada. Ele, sendo o cara companheiro e sempre disposto a ajudar que é, concordou sem problemas em me buscar e levar. Claro que nenhum de nós na época sabia que o que era o início de uma amizade seria o início também de um comportamento padrão para nós até hoje. P.S. Eu preciso muito aprender a dirigir.
            Ele era legal, engraçado, parceiro. E parecia alguém em quem eu poderia confiar não só com caronas em estado alcoólico, mas para conselhos que curassem as ressacas emocionais nas quais eu sempre me envolvia através de decisões erradas – que geralmente eram originadas pelas mulheres erradas. “Mulher é foda..,” ele disse. É complicado, mas o que é pra ser vai ser, então “segue o jogo”.
            Ele era um jogador profissional, de pôquer e da vida. Alguém que já teve muitas experiências, capaz de ser analítico e sensato em situações difíceis, que já apostou muito alto – às vezes até tudo que tinha – e foi feliz com a vitória, mas que já se decepcionou muito antes de chegar até o topo, e até então ainda tinha problemas com confiança e superação. Ele era como eu; não apenas um jogador, mas um verdadeiro apostador que mesmo sob controle dos riscos e das estatísticas, ainda dependia da sorte e do próprio equilíbrio emocional para se manter por cima. A diferença é que ele fazia dinheiro com isso, quebrava a banca e era aclamado. Eu só quebrava a cara e era consultado pela experiência. Não odeie o jogo, odeie o manual.
            Eu aprendi com ele. Aprendi que é preciso mesmo apostar alto se quiser ganhar grande, mas que é preciso estar preparado para perder tudo e mesmo assim seguir o jogo. Aprendi que as cartas nem sempre estarão ao seu favor, mas que você pode criar oportunidades para si para sobreviver a rodadas angustiantes e ainda conseguir sair da mesa com algumas fichas para começar de novo quando recuperar o fôlego.
            Aprendi que eu não era o único cara nada convencional tentando quebrar a banca, e que o jogo fica bem mais fácil quando se tem parceiros confiáveis ao lado para te motivar a alcançar a vitória, e que melhor do que vencer é subir ao pódio com quem te ajudou a chegar lá. Aprendi que dar tilt é normal, que fold não é só questão de sensatez mas de humildade também, e que um par de às pode ser tão eficaz quanto um royal straight flush se você souber jogar direito. Claro que saber blefar também ajuda.
            E então o jogador e o cara nada convencional se tornaram amigos no jogo e na vida, sempre dispostos a garantir que o outro vá para casa com o maior pot possível. Eu sempre posso contar com a sua carona, assim como você pode sempre contar com minhas experiências em tentar quebrar a banca. Mas enquanto comemoramos mais um ano de parceria, deixo aqui meu obrigado por tudo que já fez por mim e tudo que me ensinou. Entre caronas e rodadas de problemas, você foi o cara sempre capaz de tirar uma carta escondida da manga para me ajudar a resolver quaisquer problemas que eu sempre acabo arrumando. Mulher é foda...
            E quando a sorte não estiver do nosso lado, segue o jogo. O que for pra ser, vai ser. Normal...

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