Pular para o conteúdo principal

O último beijo


            Eu não sabia que eu iria embora. Quando eu entrei na sua vida e você na minha, eu jamais considerei que haveria uma data de validade para as nossas palavras, nossas conversas durante as madrugadas, nossos olhares cúmplices de tantos sentimentos em comum, dentre eles inclusive a sensação de que nós iríamos mais além do território que já havíamos conquistado dentro do outro. Quando eu acordei naquele dia, eu não sabia que seria o último em que eu prezaria pelo seu bem, ou que eu iria continuar do seu lado, ou que eu chamaria seu nome diretamente para você. Eu não sabia que eu ia deixar de te chamar, mas isso não quer dizer que eu te esqueci.
            E se antes mesmo de eu ir embora, você já tivesse me abandonado e eu só não percebi? Ou então quem sabe fui eu quem se contentou com o prêmio de consolação de ser exatamente isto: seu prêmio de consolação. Na falta de algo melhor, de alguém mais interessante, de louça pra lavar, chapinha pra fazer, unha pra pintar ou algum filme novo pra assistir, você veio a mim. E eu não quero me gabar, mas sou uma distração deveras sensacional.
            Eu não sabia que o último beijo sequer seria no fim. Pelo contrário, nós o trocamos dias antes de sequer considerar que aquele seria o último. Em se tratando de amor, ninguém realmente pensa no fim a não ser quando não cria coragem o suficiente para começar. Porque quando já se está no meio dele, envolvido pelas graças e pelo cheiro daquela alguém especial, esperando desgraçadamente que o dia passe logo para que eu sinta suas mãos em mim de novo, o fim é definitivamente a última coisa em minha mente. Isto é, eu nem cogitei o fim. Porque eu acreditava em você, acreditava em nós e que sempre haveria o dia seguinte. E é por isso que eu não consigo enfatizar o bastante o quanto eu não planejei levantar a bandeira branca, ainda mais enquanto ainda estava a ponto de conquistar novos e excitantes horizontes do seu corpo e seu coração.
            Mas você se foi. Eu deixei você ir e confesso que na hora realmente fez sentido. Porque não era amor. Porque não era real. Porque não iria durar. Porque nós éramos muito diferentes. Porque você queria que eu mudasse. Ou então não foi nada disso. Talvez tenha sido porque eu senti que o fim era inevitável, mas tentar me apaixonar pela negação disto parecia mais atraente do que aceitar que você e eu fomos inesquecíveis um por outro por um certo tempo, mas que já estava na hora de começar a esquecer mesmo assim. Talvez seja porque eu não te fazia feliz. Talvez porque você não me fazia nada. Eu não sei.
            Eu não previ o fim. Não sei dizer ao certo como ele começou ou de quem é a culpa. Talvez seja sua, ou quem sabe eu me precipitei. Talvez mandar você embora da minha vida tenha sido um erro, ou talvez tudo isso faça sentido lá na frente quando outra aparecer e me fizer entender porque você precisou ir embora e eu precisei sofrer com isso.
            Assim como eu jamais soube explicar como alguém pode despertar o amor em mim, eu não sei dizer como ele acaba. Não foi porque simplesmente não era você, porque você é incrível. Só não é incrível pra mim, pelo menos não mais. Não, não foi nada que você fez, ou não fez por sinal. Mas eu tenho essa mania de impedir que as pessoas durem na minha vida, a não ser que elas mesmas deem um jeito de se ancorarem no meu coração e se permitam serem arrastadas às profundezas da minha incoerência. Por incrível que pareça, essas sim duram, enquanto as outras logo encontram coisa melhor pra fazer e nem se lembram das conversas que compartilhamos, dos conselhos que trocamos, dos sorrisos que causamos e da felicidade que criamos um com o outro. Porque o café esfria, o gelo do uísque derrete, o amor acaba e as pessoas enjoam.
            Eu amei você mais do que eu achei que era possível amar alguém. E do mesmo modo como eu não sabia que poderia me importar tanto assim, o último beijo veio e se foi. Não me peça para explicar; apesar dos apesares, nós dois sabemos aonde acertamos, aonde erramos e aonde soltamos as mãos um do outro pelo caminho. Mas caso você não saiba, quem sabe nunca tenha me segurado com força do seu lado, me convencendo de que ali era o meu lugar.
            Eu só espero que ter descoberto que tudo na vida tem um fim inevitável não me impeça de tentar começar de novo. Sei lá. Do mesmo jeito que eu não sabia que diria adeus a você, eu não sei quando direi “olá” a outra pessoa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento