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            Dizem que quando se chega aos vinte-e-poucos, sua vida já estará basicamente definida assim como as pessoas com quem você estará compartilhando-a. Quem disse isso? Eu não sei. Mas acho que alguém, provavelmente filosofando sobre tudo que já conseguiu atingir na vida antes de tomar fôlego para assoprar as velas do seu bolo de aniversário, ponderou sobre isto e agora faço eu o mesmo. Caso isto ainda não te convença, ok, fui eu mesmo. Eu sempre imaginei que quando chegasse aos vinte-e-poucos, minha vida já estaria basicamente definida. E depois de completar 22 anos, e com isto patinar na linha tênue entre a famigerada fase da adolescência tardia versus a maturidade precoce, confesso que eu estava certo.
            Aniversários para mim sempre foram a época do ano em que a vida tira por mim um extrato de tudo que eu adquiri ao longo dos anos; um balancete das vitórias justaposto com o revés dos descontentamentos, das mágoas, dos rancores tenebrosamente muito bem alimentados e das noites difíceis e mal dormidas porque não havia alguém do meu lado para dizer que tudo ficaria bem. Aniversários me deprimiam porque eu achava que não era capaz de ser lembrado se não fossem pelas redes sociais. Jamais levando em consideração que as outras pessoas também tem pessoas, lugares, alegrias, medos e inseguranças assombrando-as em um redemoinho imaginário em suas cabeças, e que por ventura estariam ocupadas ou distraídas demais para se lembrarem do meu dia. Mas as pessoas, de um jeito ou outro, sempre se lembram. Isto é, as minhas pessoas.
            Demorou muito tempo, mas eventualmente eu saí por aí e acabei por conhecer as pessoas certas. As pessoas que hoje podem aparecer no meu portão sem convite, entrar em casa sem bater, abrir a geladeira sem pedir, colocar os pés em cima da mesinha de centro sem medo, e conquistar cada vez mais território na intimidade da minha vida sem hesitar. Porque elas mereceram isso. Eu não sou fácil. Confesso que tampouco já fiz questão de ser fácil. Felizmente ou infelizmente, eu faço questão de preservar a minha autenticidade com tamanha força a ponto de afastar quaisquer outros que sejam diferentes demais. Que não tenham sido criados como eu. Que não entendam o meu senso de humor ironicamente distorcido. Que não estejam ao meu dispor quando eu quiser. Que não se lembrem de mim quando eu precisar...
            Com o passar dos anos eu aprendi que é muito fácil ficar sozinho. Ser sozinho. Sentir-se sozinho, até mesmo quando existe alguém desesperado para entrar em sua vida e te fazer companhia, nem que seja pelo simples fato de que ela também não quer passar um Domingo sozinha a toa em casa. É muito fácil expulsar as pessoas do nosso coração, enquanto o contrário é deveras desafiador. Qual foi a última vez que você deu uma chance à alguém para se candidatar a fazer parte da sua vida?
            Apesar de não parecer, eu gosto das pessoas. Talvez não de todas as pessoas ao meu redor. Definitivamente, não de todas as pessoas do mundo. Mas as pessoas em especial que tiveram o acaso e o prazer de cruzarem o meu caminho, estas eu tento preservar o máximo que posso. Fazer a diferença na vida de alguém sempre foi uma paixão encoberta minha, talvez ainda maior do que desejar que alguém virasse a minha vida do avesso com toda a sua irreverência incontrolável que somente uma matéria prima tão inexplicavelmente esplêndida quanto o amor poderia proporcionar.
            Fazer feliz alguém que me faz feliz, me faz feliz, entende? Mas secretamente – ok, não tão secretamente – às vezes é bom descobrir que talvez eu faça mesmo a diferença. Que a vida daquela pessoa não foi mais a mesma depois de ter me conhecido – num bom sentido da expressão. Eu não sei se algum dia eu imaginava ter esta resposta, mas aqui e agora, adentrando oficialmente a fase dos vinte-e-poucos, eu descobri exatamente o quanto eu havia feito sim algo de bom pelas pessoas que me conheceram e, por incrível que pareça, ainda voltam para me ver de novo.
            Se aos vinte-e-poucos anos chega a hora de perceber exatamente o que será desta vida, eis o que posso concluir: eu estou feliz. Arrisco até dizer que sempre fui, mas que hoje tenho a capacidade de reconhecer verdadeiramente isto em mim, apesar de ainda ser um aprendiz na arte de sorrir para tirar fotos. Eu tenho amigos; pessoas especiais e incríveis com as quais dividi momentos inesquecíveis da minha vida e que, mesmo separados por distâncias, quilômetros e até mesmo outras pessoas, eu fui capaz de cativá-las o bastante a ponto de ainda ser lembrado por elas, e de ainda ser querido para elas. Eu tenho um ótimo trabalho, um curso superior quase concluído, um apartamento espaçoso, uma sacada abençoada, um sofá popular, um dom com as palavras e uma alma defeituosa, porém humana. Humana o suficiente para ser perdoada e acolhida por outras almas defeituosas que, quando se juntam, fazem seu mundo todo parecer completo.
            Meu dia foi bom. Acho que o melhor das comemorações que os últimos 22 anos já me trouxeram. E nada, absolutamente nenhuma das vírgulas que separam cada uma das palavras que recebi de vocês, teria sido a mesma coisa se em algum ponto desta longa jornada eu não tivesse engolido o orgulho, a insegurança e a dúvida para dizer a cada um de vocês: “Você me faz bem. Eu gosto de você. É como se eu te conhecesse há anos. O que acha de compartilhar sua vida comigo?”. Em algum ponto vocês aceitaram, e por isto eu não poderia ser mais grato.
            Então é isso. Os vinte-e-poucos anos que já passei por este mundo não foram nada decepcionantes. Pelo contrário; cada ano tem sido melhor que o anterior, e eu tenho a vocês para agradecer por isto. Não é difícil soprar as velas em cima do bolo por mais que cada aniversário acrescente mais um ano à sua vida. E eu tenho vivido bem.

            Ah, como eu tenho vivido bem...

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