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Pela última vez em Cascavel

            
            Já faz algum tempo que chove em Cascavel, e também não parece que vai parar tão cedo. Eu não sei mais o que acho disso,  provavelmente porque me acostumei a escolher entre sair de casa sem blusa e passar frio de manhã, ou com blusa e passar calor à tarde, enquanto os pingos continuam a cair na minha cabeça. Eu odeio usar guarda-chuva. É como um lembrete constante no meu caminho de que eu não pude sair de casa com as mãos livres. Não. Eu precisei de algo pra me proteger do tempo. Pra não me molhar com os pingos. Enfim, pra me ajudar...
            Ultimamente parece que minha vida toda tem precisado ser escondida debaixo de um guarda-chuva, porque a tempestade lá fora parece que jamais me perdoará. É o trabalho que exige uma estratégia nova de mim, é o TCC que precisa ser reescrito, é o lixo de casa que precisa ser colocado pra fora, a louça que precisa ser lavada, a roupa que precisa ser passada, a nova pessoa errada que eu encontrei e precisa ser superada...
            Nada mais encaixa, cessa, termina. Tudo precisa de uma revisão, de um cuidado, de uma nova demonstração de comprometimento que ontem parecia vir fácil a mim, mas que agora me parece impossível. Assim como as palavras que deixaram de ser derramadas por mim com a maestria do homem determinado que tinha total controle sobre elas, e que agora escapam entre meus dedos enquanto me esforço para tentar organizar meus pensamentos. Tudo está uma bagunça e eu não sei por onde começar.
            A chuva não para e hoje mesmo eu me percebi andando mais devagar, como se estivesse aos poucos me entregando às poças d’água pelo caminho. Como se não visse mais um motivo para desviar, porque em questão de mais alguns passos haverá outra para me desafiar. É assim que os meus dias tem sido: uma poça atrás da outra, seja no TCC que não termina, no lixo que se acumula, no trabalho que parece em vão, e no coração que parece se contentar cada vez mais com a ideia de passar o resto dos meus dias sozinho, porque assim como as coisas, ninguém também se encaixa.
            Apesar dos apesares, eu sempre fui teimoso. Obcecado, neurótico, ridiculamente autoconfiante e completamente incapaz de aceitar o fato de que, convenhamos, eu posso estar errado às vezes. E mesmo não sendo características boas – ou no mínimo saudáveis – eram essas partes distorcidas da minha personalidade incansável que sempre me levaram adiante. Que sempre me motivaram a me levantar de novo, a tentar de novo, e a impedir que o vento levasse o meu guarda-chuva embora. O meu guarda-chuva ainda não voou para longe, mas este homem parece que ficou para trás há algum tempo, perdido na tempestade e vencido pelo cansaço de insistir em dar passos para a frente.
            Eu cansei. Estou exausto e não é de hoje. Confesso que parte disso é resultado da minha incapacidade de admitir que algumas das minhas linhas podem estar mal-escritas e precisam ser revistas, ou que a louça precisa ser lavada de novo, ou que o trabalho precisa ser levado mais a sério, ou que o meu coração, acima de qualquer outra pessoa para aproveitar a alegria que ele pode proporcionar, precisa de um tempo. Eu perdi o fôlego. Não é fácil enfrentar tempestades todos os dias, muito menos quando você percebe que não só não irá vencê-la, como ela não vai parar tão cedo. Este definitivamente não era o início de Primavera que eu esperava.
            Toda vez que recebo um elogio eu respondo com um infame “Obrigado, eu tento...”. É isso, universo. Eu cansei de tentar. Cansei de ver as minhas expectativas naturalmente criadas serem estraçalhadas. Cansei de ver os meus sonhos se espatifarem contra a gigante e maciça parede da realidade. Cansei de ver o meu potencial jogado fora, em parte por não ter noção alguma do que realmente fazer com ele para que meu mundo seja capaz de adquirir um pouco mais de sentido. Cansei das coisas não darem certo, de tirar o lixo duas vezes por semana isto quando ele já nem cabe mais no cesto, de lavar a louça que parece se reproduzir sozinha se eu não a lavar jogo depois de comer, de reescrever o TCC que me desmotiva cada vez mais a devolver ao orientador, e de conhecer pessoas que me inspiram com a mesma facilidade e descaso que me levam a lugar nenhum. E nem preciso dizer que eu cansei da chuva.
            Eu costumava pensar que adorava o inverno porque sempre me identifiquei muito com o clima frio, seco e imperdoável que a atmosfera impõe sobre a gente. Porque era assim mesmo que eu me sentia por dentro, especialmente depois de ter passado por algumas estações e pessoas em Cascavel que não me trouxeram nada além de resfriados e desilusões. Mas essa tempestade já foi longe demais. Hoje um senhor parou seu carro do meu lado na rua e perguntou “Ei, amigo, estou perdido, por acaso sabe aonde fica a próxima saída de Cascavel?”. Obviamente eu não soube responder – mal sabia ele que eu estava tão perdido quanto ele, e olha que eu estava andando para casa – mas confesso que a vontade de entrar no carro e seguir viagem com ele fingindo que eu sabia o caminho foi quase maior do que ser honesto e continuar andando. Felizmente ou infelizmente, eu fui honesto, dei de ombros dizendo que não era daqui e não sabia como sair de Cascavel, e continuei andando.
            Pensando bem, ainda há alguma disposição viva em mim. Alguma força mais poderosa do que a tempestade, as pessoas decepcionantes, as tentativas frustrantes, as palavras erradas que assombram o meu TCC, e toda esta cidade úmida e semelhante a um pesque-pague fedido gigante que me cerca. Eu não sei o que vai ser de mim ou o que vai acontecer amanhã, mas eu vou continuar andando. Eu vou tentar de novo, até porque se eu me conheço bem, eu jamais dormirei tranquilo se permitir que a promessa de um desafio aceito permaneça em aberto ou pior, em fracasso. E não importa o que aconteça, pela última vez em Cascavel eu vou me permitir achar que não aguento mais. Algo vai dar certo. Algo precisa dar certo. Vou começar por este post, seguido por um leite quente, uma boa música para acompanhar, depois passamos para coisas maiores como o resto do Universo.
            Eu vou ficar bem.

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