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Mostrando postagens de 2014

O pai nosso

“Eu quero paz.” É assim que você me responde a cada ano, toda vez que eu tento descobrir o que você gostaria de ganhar no seu dia. Felizmente ou infelizmente, eu nunca realmente entendi o que você queria dizer, o que invariavelmente me levava a buscar por presentes substitutos na forma de camisas, sapatos ou gravatas. E digo que felizmente não entendia, porque se tem algo que você sempre soube fazer com maestria, foi me proteger o máximo que pôde dos males e injustiças desse mundo, de modo que eu não perdesse o meu sono à noite. E digo que isso também foi infeliz, porque isso sinceramente é o que mantém um pouco distantes as minhas tentativas de te ajudar, te cuidar, te aliviar um pouco da carga que você carrega, mas que eu consigo imaginar muito bem o quanto é difícil.    Cuidar de uma família por si só já é desafiador. E uma empresa então? E se fossem somente essas esferas a serem mantidas equilibradas no ar, talvez as vinte e quatro horas do dia pudessem até liberar uma folga

A aula da saudade

   É um misto de estranheza e nostalgia olhar para trás agora e relembrar aqueles primeiros dias. Quando a gente nem sabia em qual sala deveria entrar, ou que matérias iríamos ter, ou o que seria de nós pelos próximos anos. É uma missão bastante importante de se assumir, mas é a que os nossos professores adotaram para si a cada ano em que se apresentam para uma nova turma. E como é de costume, também fazem com que cada um se apresente. Eis a nostalgia; relembrar o que dissemos naquela primeira semana, para cada um de vocês que estavam lá para nos receber, sobre quais eram os nossos nome, da onde nós éramos, e porque decidimos fazer esse curso. E depois da primeira fala, as outras pareciam repetitivas demais, mas tampouco menos repletas de nervosismo. Mas foi a primeira tarefa que recebemos de vocês, e é interessante relembrar isso agora. Cinco anos depois, com os relatórios em dia, os estágios encerrados, os ratos postos para dormir, e os corredores se esvaziando lentamente a medi

O coração de rodoviária

    Eu sou uma constante . Pelo menos é assim que eu me sinto. Mas calma, eu vou explicar. Tudo começou há alguns dias... Não, mentira. Tudo começou há alguns meses... Não... Anos? Invernos? Eclipses? Ok, eu desisto. Eu não sei quando foi que começou, mas seja lá quando tenha sido, definitivamente foi um catalisador temporário cujo fim iminente eventualmente encontrou o seu destino rarefeito. Porque as coisas que passam por mim invariavelmente acabam. Os lugares fecham ou se tornam inacessíveis, bem como as pessoas que eu encontro neles. Já escreveram sobre como o café esfria e o sol se põe, dentre outras tantas metáforas criativas para ilustrar todas as 150 maneiras de como o amor acaba. E sobre como ele acaba porque alguém decide ir embora. Bom, se algum dia houve um momento propício para escrever sobre coisas que acabam e pessoas que vão embora, este é o seu momento, Igor. Então pare, pense e sinta bem o que você quer escrever, porque outras pessoas vão ler isso e talvez até se

Os últimos dias

   Eu não sei por onde começar, o que é deveras irônico. Particularmente, eu me pego revisitando o começo das coisas sempre que um ciclo chega ao fim. E penso nos primeiros dias em que eu nem sabia aonde ficava a minha sala, ou que aulas eu iria ter, ou que amigos eu poderia conhecer ali... Ok, mentira. Eu pensei que jamais encontraria a minha sala, dado o tamanho daquela faculdade que até hoje eu não conheço por inteira. E pensei que estaria presente em todas as aulas, anotando todos os dados que considerasse importante, e que se precisasse compraria cada vez mais cadernos quando as minhas folhas chegassem ao fim... E, obviamente, eu tinha certeza de que não conheceria ninguém, já que eu mal falava e sequer olhava nos olhos dos outros ao meu redor. Porque era tudo muito estranho, desconhecido, assustador – como os começos das coisas tendem a ser.    E é esse começo que me vem em mente ultimamente quando passo pelos corredores da faculdade. Esse ano inteiro tem sido como uma mar

23

    Ontem foi 23. Foi o dia mais esperado por mim a cada ano que passa, cada inverno que eu sobrevivo e cada grade curricular que eu completo. Mas ontem foi diferente, porque provavelmente foi a última vez em que o meu aniversário envolveu abraços nos corredores da faculdade, ou um grupo de amigos tão grande para se convidar para sair e beber depois da aula. Não. Ontem os 23 foram definitivos em muitas coisas; encerrou o ciclo vicioso e trágico em que os meus 22 haviam se estagnado, entre empregos que vieram e se foram, e mulheres que parecem só ter ido embora, mas também definitivo pelo contexto em que eu sobrevivi por mais um ano. Porque os 23 prometem ser diferentes – como o primeiro ano em que eu estarei saindo para o mundo por conta própria, em busca de sucesso, felicidade, prosperidade e, quem sabe, um pouco mais de estabilidade para firmar as neuroses que, ao que parece, jamais abandonarei.    Eu ainda não sei o que vou fazer com os meus 23, mas pela primeira vez isso não

A segunda edição

Para falar a verdade , eu não gostava muito de você. Também, não era pra menos: quando eu te conheci, você nem sabia falar ainda. Em compensação, depois que aprendeu, nunca mais parou; e de “ mamãe ” e “ papai ”, logo aprendeu outras frases fundamentais como “ você está errado, Igor! ”, ou, “ devolve o meu brinquedo! ”. Eu admito que talvez não tenha sido o melhor exemplo que poderia para você; porque te ensinei palavrões enquanto o pai não estava olhando, e abandonei você em frente à televisão por horas intermináveis de filmes quando deixavam você na minha casa sob os meus cuidados, e te instruía a mentir sobre que horas você foi dormir para que o pai não brigasse comigo; - Você lembra que horas foi dormir? - Lá pelas 3 eu acho. - É, deve ser. Eu também não lembro. Mas se o pai perguntar, que horas você vai dizer? - Meia-noite! - Não! Meia-noite dá muito na cara. Acho que já usamos essa antes. Diga que foi dormir lá por uma e quinze. É mais realista.    E depois de

A última quinta-feira

   ...e então restaram cinco estagiários. Os que disputaram a tapas e olhares feios por uma cadeira na sala de orientações número 4 para continuarem seus estudos sobre a abordagem comportamental com aquela que diziam ser a professora mais querida de todas. E cada um deles também trouxe consigo sua própria reputação: havia a esforçada , responsável por transformar cada um dos seus atendimentos em algo lindo de se relatar; a preocupada , que não tinha muita noção do quanto era capaz de fazer a diferença não só na sua própria cliente, mas na sua família também; o ausente , mas que sempre dava um jeito de ser fazer presente através de algum presentinho especial para o grupo; a criativa , que vivia cheia de recursos para deixar seus “clientezinhos” mais descontraídos; e o problemático , que chegou especialmente sob a ameaça de que iria dar trabalho.    Claro que nenhum deles se limitava a isto; tampouco tinham ideia de que aquele seria o melhor ano de estágio que teriam pela frente.

O fim do corredor

(Dedicado especialmente aos noivos, Greka e Henrique, que tiveram a cerimônia mais perfeita que eu já tive o prazer de assistir, e a honra de participar. Fica aqui a minha singela homenagem, com toda a sátira e ironia possíveis, para não perder o costume.) Esta é a história de um casamento que tinha tudo para dar errado. O evento estava marcado para uma tarde absurdamente quente de sábado. A maioria dos convidados era de fora da cidade, e não sabiam exatamente onde ficava a igreja. O vestido da noiva foi encomendado do exterior, com risco de acabar sendo extraviado. O noivo quase perdeu as alianças antes da cerimônia começar. A família do noivo parecia calma e organizada; a família da noiva era doida. O tapete da entrada da igreja estava amarrotado ao ponto de facilitar para que alguém caísse. A noiva se atrasou para chegar. E como se tudo isso não fosse o bastante para acabar em desastre, eu era um dos padrinhos.    Andar por aquele corredor extenso que ia da porta da igreja

A odisseia da boa forma

Eu sou gordo. Para você que discorda; obrigado, é muita bondade sua. Para você que concorda, um aviso: eu estou ciente disso, logo você não precisa me lembrar disso toda vez que eu entrar no recinto. Atualmente pesando 88 quilos – com uma margem de erro do IBOPE entre 85 a 115 quilos – eu decidi aproveitar meu recente descontentamento ao me olhar no espelho junto ao sol que resolveu brilhar em Cascavel de novo para voltar à academia, com toda a esperança e ilusão que esse processo causa em mim.    Se minhas contas estiverem certas, esta é a 8ª vez em que eu decido começar a frequentar uma academia – e se meus padrões continuarem fieis a mim, esta também será a 8ª desistência sem justificativa nem arrependimentos imediatos. É um ciclo quebrado: eu me olho no espelho e me sinto mal, me inscrevo na academia mais próxima, me animo a ir malhar por umas duas ou três semanas ininterruptas até que, um belo dia, chove torrencialmente ou algum compromisso matinal me impede de ir cumprir mi

A garota errada

    Não é você. Às vezes eu estou errado em achar que encontrei a garota certa, por mais que eu saiba que já deveria ter desmistificado a existência dela de uma vez por todas. Mas eu tenho um dom de enfiar uma faca no peito para sangrar poesia que insiste em tomar vida mais do que os meus próprios instintos de sobrevivência, e que geralmente é que dá brecha para prosas desse tipo.    Parece que quanto mais eu tento mudar, mais eu me rendo aos meus velhos padrões. Por exemplo, eu prometi para mim mesmo que não escreveria mais para você. Mas quanto mais eu penso em mim, meus erros, minhas aspirações, minhas contradições e tudo mais, meu pensamento invariavelmente também toma a sua forma. Porque você parece ser exatamente como eu. Desde o egocentrismo exacerbado encoberto, até as contradições infames involuntárias. Você, que também não sabe exatamente o que quer, mas foge do que precisa. Você, que chora antes de dormir desejando por uma vida melhor, mas que não faz ideia do que te