Pular para o conteúdo principal

Cuide-se


   O mundo é um lugar frágil. Frágil até demais, para falar é verdade. E como se não fosse o bastante, ele gira sem parar, completa e aleatoriamente o bastante para nos deixar tontos. De todas as minhas crenças, nenhuma realmente se compara à minha paixão pela vida, apesar de todas as suas peculiaridades. Como a sua delicadeza que se mostra nos pequenos momentos que passamos juntos com alguém que a gente ama, ou através das surpresas que nos pegam desprevenidos. Mas nem todas as surpresas são boas, e vez por outras nos percebemos mais despreparados do que gostaríamos. É aí que toda a fragilidade desse mundo vem à tona; quando ele, de tanto girar, às vezes parece despencar na nossa cabeça. E é aí que eu paro e penso sobre o quanto o mundo pode ser o que for, assim como todas as pessoas com as quais nós o compartilhamos, mas que um detalhe em especial tende a se tornar fundamental: a gente precisa se cuidar; começando por nós mesmos, até quem estiver do lado e quem mais a gente puder alcançar. Não se trata somente de sobrevivência, mas de solidariedade.
   Porque uma hora ou outra todos nós vamos precisar de alguém. De uma palavra amiga em um silêncio doloroso. De um toque suave em uma grosseira tristeza. De um porto seguro em uma tempestade impiedosa. Porque a verdade que nós não gostamos muito de admitir em voz alta, é que somos tão frágeis quanto o mundo – e tão apressados, aleatórios e finitos quanto ele. Mas nem sempre é assim que a gente se sente. Tem dias em que parece que a gente pode tudo, que não existem limites para as nossas vontades, e que se o mundo precisa ser carregado nas costas, a gente aguenta. Salvo engano que a gente só percebe quando é tarde demais. Quando nosso bom humor se perde em uma fumaça de estresse, que resulta de tentar abraçar todas as causas do mundo com apenas dois braços. Ou, então, quando ficamos doentes de tanto nervoso, tanta preocupação ou, em alguns casos, de simplesmente estarmos constantemente sujeitos à sermos lembrados da nossa finitude.
   O problema em admitir que somos seres frágeis vivendo em um mundo inconstante é que nem todo mundo gosta de pensar que não é o bastante. Que não pode tudo a toda hora. Que não vai viver para sempre, e que é preciso colocar algumas coisas em perspectiva antes que não seja mais possível. E o mais importante e difícil de tudo: nem todo mundo gosta de pedir ajuda, ou de ser cuidado por outra pessoa. Como se fosse a pior coisa do mundo; perder o controle, a autonomia, o direito de ir e vir, para subitamente vir a depender de outra pessoa para se manter... Uma pessoa. Mas isto é uma visão que não pode nem deve perdurar, porque independente do que o mundo for e do que a pessoa ao seu lado também possa ser, a outra verdade inconveniente que precisa ser dita é que nós precisamos uns dos outros. Mais do que a gente pensa, e menos do que a gente deixa.
   Claro que nem todos são assim. Algumas pessoas em especial parecem ter recebido um toque a mais de delicadeza, um pouco mais de carinho e, particularmente, um chamado para tornar o cuidado de outras pessoas em algo mais do que um trabalho ou um favor, mas o exercício de uma vocação.  Pessoas que conseguem enxergar o mundo como uma extensão das suas vidas particulares, e que se importam com as outras pessoas com as quais dividem ou podem vir a dividir momentos inesquecíveis. Porque quem cuida não julga, e quem é cuidado não esquece.
   O mundo é um lugar frágil, assim como as pessoas. Por isso cuide-se, mas não se esqueça de que quem está ao seu lado pode precisar da sua ajuda hoje, assim como você pode precisar dele amanhã. Como se não fosse o bastante, o mundo dá muitas voltas.

   Você vai precisar de alguém do seu lado.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento