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A resiliência do quilômetro 157 (parte 1)


   Antes de qualquer coisa, eu gostaria de confessar que gostaria muito de ser um homem de uma metáfora só. Acho que se eu baseasse as minhas concepções de vida em apenas uma imagem abstrata, eu não teria essa compulsão por procurar significados escondidos em situações adversas. E acho que também seria uma ótima base na qual eu poderia apoiar meu futuro comprometimento por uma garota só, ao invés de ficar procurando por significados escondidos em relacionamentos imaginários. Mas nada disso realmente tem a ver com o que aconteceu desta vez; quer dizer, tem um pouco a ver. Porque, bem como já é de costume, não foi apenas uma situação adversa que aconteceu. Não. Foi uma metáfora. E das grandes.
   Viajar para Londrina de carro com o meu pai já provou ser uma situação adversa por si só, mas acho que entre tantas idas e vindas só neste ano, nosso roteiro de viagem parece não incluir mais silêncios constrangedores duradouros e discussões que acabavam sendo mediadas por pedágios, porque eu precisava parar para contar moedas para dar de troco à pessoa do guichê. Agora nossas jornadas incluem desde trilhas sonoras personalizadas até lições valiosas de vida. Mas desta vez, quis a vida que eu tivesse uma experiência mais memorável do que apenas descobrir que meu pai e eu temos o mesmo gosto musical. Desta vez a lembrança ia ser sobre uma lição de vida, uma revisão sobre mecânica básica, e solidariedade.

- Pai, eu estou com um problema. Na verdade, não é um problema. Mas eu sendo do jeito que sou, tornei algo que não era um problema em um problema. Então é, eu tenho um problema. Não o meu problema em transformar coisas em problemas, mas o problema produto disso.
- É, realmente você tem um problema, filho. Mas diga aí.
- Ultimamente eu andei pensando em relacionamentos. Mas precisamente, sobre não ter um. No começo eu achava que era porque eu gosto de estar solteiro. Ou de estar sozinho. Gosto da liberdade, por mais que não a use tão bem quanto poderia.
- Ok...
- Mas eu gosto de não precisar dar satisfações pra ninguém. De sair pra onde eu quiser, a hora que eu quiser, com quem eu quiser. E eu odeio precisar de outra pessoa. Sabe que eu não sei pedir ajuda, ou reconhecer meus limites, ou admitir derrota...
- Um relacionamento não é isso, Igor. Não é ser limitado por outra pessoa, nem precisar de outra pessoa. É querer estar com outra pessoa. É querer compartilhar essa liberdade com outra pessoa. É saber reconhecer que... Que barulho é esse?!

   Um estralo bem alto vindo de dentro do capô faz com que o carro desacelere aos poucos, até obrigar meu pai a parar em um acostamento improvisado de terra que fica entre uma descida para um sítio e uma árvore solitária.

- Era só o que me faltava.
- O que foi isso, pai?
- Eu não sei, Igor. Se soubesse, não teria parado.
- Acho que é de você que eu herdei o meu sarcasmo...
- NÃO COMEÇA!

   Descemos do carro. Meu pai abre o capo e investiga até encontrar o problema: uma das velas ligadas ao motor se soltou. Meu pai tenta encaixá-la com a mão e volta para dentro do carro para tentar dar a partida. Outro estralo alto acontece, e a vela é desencaixada do motor em um disparo.

- Estragou a vela.. E não sei porque estou te dizendo isso. Você nem deve saber do que eu estou falando.
- Eu também te amo, pai. Agora me explica direito.
- Sem a vela, o motor não funciona. Se o motor não funciona, o carro não anda. Eu não consegui encaixar só com a mão. A gente precisa de uma chave para isso, mas eu estou sem nenhuma ferramenta aqui.Quer ir a pé, ou prefere voltar pro carro e procurar o recibo do último pedágio?
- Pra que?
- Lá tem um número para ligar em caso de emergências. Nunca me aconteceu nada até hoje para que eu precisasse ligar. Vamos ver como é...

   Meu pai liga para o número, que por acaso é um 0800. Números do tipo 0800 nunca me inspiram muita confiança. Isso foi confirmado quando meu pai resmungou algo depois de finalmente conseguir barras de sinal o suficiente para ligar, e descobriu que para ser atendido por alguém, precisava teclar 1. E depois de resmungar por não conseguir achar o teclado do seu telefone para teclar 1, falou com uma atendente que registrou a ligação e disse que já estava enviando alguém para nos ajudar. Independente da minha natureza pessimista e caótica, a ideia de passar um tempo indeterminado parado em um acostamento improvisado em algum lugar nos arredores de Campo Mourão inspirou a minha impaciência a se manifestar:

- Será que eles demoram?
- Acho que não. Não faz muito tempo que passamos por um pedágio. Deve levar uns quarenta minutos, uma hora, por aí...
- Uma hora?!
- Você pode ir a pé se quiser.
- Ok, uma hora...


Continua...

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