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A entrada triunfal


   Faltam cinquenta e um dias, e tem sido uma viagem e tanto. Entre trancos e barrancos, a faculdade é uma das experiências mais incríveis que um jovem consideravelmente alfabetizado e socialmente dinâmico pode ter. Particularmente falando, mais do que uma experiência incrível, a faculdade foi uma educação além das disciplinas de grade curricular, mas um aprendizado em termos de amadurecimento – pra não dizer, um exercício constante e exemplar das minhas habilidades sarcásticas diante de todas as situações que eu considerei infames. Como provas feitas em dupla e com consulta onde ninguém sabia qual era a matéria a ser cobrada, atividades extracurriculares que não contavam nota nem agregavam novos conhecimentos, mas que ainda assim eram capazes de me custar porcentagens de presença, e a necessidade exorbitante de horas complementares que eu precisei juntar para garantir que o canudo do meu diploma no dia da colação de grau não estivesse oco.
   Mas apesar de tudo isso, tem sido uma viagem e tanto. Uma viagem que, ao contrário do que meus colegas costumam me dizer, não vai acabar para mim daqui precisamente cinquenta dias. Eu não parei para fazer a conta, mas em se tratando de rituais de passagem, a minha saída da graduação só vai se concretizar com aquele que eu sempre considerei um dos momentos mais sublimes e únicos da vida de uma pessoa, – que perde somente para, talvez, o dia do seu casamento ou, por que não?, caso você apareça na CGNa entrada triunfal no salão da formatura ao som da minha música.
   São poucos os momentos da vida que são inegavelmente nossos. Por exemplo, - e não estou fazendo uma crítica aqui - o dia do seu casamento não é sobre você. É sobre pagar para um bando de parentes, amigos, conhecidos e agregados comerem, beberem e comemorem por você ter encontrado o suposto amor da sua vida. É diferente, digamos, de quando você faz aniversário. Eu sempre defendi a tese de que aniversários são datas ridiculamente importantes que precisam ser comemoradas a qualquer custo; afinal, é o dia em que o mundo te dá a desculpa de ser irremediavelmente egocêntrico, e de ter pessoas ao seu redor para baterem palmas por isso.
   Mas aniversários vem e vão a cada ano, e dependendo dos dígitos que você está completando ou das Primaveras que já acumulou na vida, e levando em conta o inventário emocional que a gente costuma a cada novo soprar de velas, nem sempre parece tão animador ter a nossa existência resumida a um “parabéns” semi-pronto e um bolo de supermercado. Agora, aparecer na CGN depois de um acidente bizarro envolvendo uma telha de amianto voadora, um passeio de ambulância, uma série de radiografias e curativos, e cinco pontos na perna, definitivamente foi algo que eu posso usar para quebrar o gelo em qualquer roda de amigos-que-ainda-não-são-tão-amigos como forma de me apresentar.
   Só que levando em conta as probabilidades disso acontecer de novo, eu ainda considero a entrada triunfal da formatura como o último momento precioso da vida em que você é o centro das atenções – completo com a oportunidade de sonorizar este momento com a música que você quiser. Ultimamente tenho visto meus amigos em crise por problemas cujas soluções já possuem algumas alternativas – se fulana for com o vestido roxo, então eu vou com o verde, porque fulana é gorda e o verde realça os meus olhos castanhos; ou então, se metade da minha família levar espumante e a outra metade levar uísque, eu posso me embriagar elegantemente durante o jantar com o espumante enquanto deixo para nadar no mar de uísque durante o baile.
   Mas o problema da música é o que me chama mais a atenção. Antes mesmo de entrar na faculdade, eu já vislumbrava este momento como o divisor de águas definitivo entre os anos dourados da graduação e a realidade amarga do desemprego imediato no dia seguinte ao baile. E em se tratando da minha jornada, que até o dia da festa já terá passado da marca dos seis anos, eu sempre tive em mente que a minha música deveria ser, de fato, minha. Algo pessoal, simbólico, metafórico, essencial, quase metalinguístico porém inteiramente subjetiva. E ouvir mimimis do tipo “Acho que vou escolher qualquer música que for mais tocada perto do dia do baile...”, ou “Acho que vou escolher tal música porque é animadinha...” me incomoda.
   Eu não escolhi a minha música por ser perfeita, ou por ser animadinha, ou por estar entre as mais tocadas. Eu a escolhi porque é minha. Porque dentro da minha história, durante a jornada que eu percorri, eu sempre encontrei nela uma inspiração para continuar seguindo em frente, mesmo quando não tinha ideia de que rumo tomar ao certo. Só não iria voltar atrás, porque não foi para isso que eu me mudei de cidade, e deixei meus amigos e minha família para trás, e me obriguei a engolir uma atmosfera totalmente nova, estranha e Cascavelense. Não. Eu me mudei por um motivo, por um sonho, por uma noção vaga de futuro que não abandonei totalmente, mas adaptei às minhas contingencias para deixar o mundo real à minha volta um pouco menos sofrível, e um pouco mais, bem, Igor.
   De agora em diante é que os problemas de verdade vão começar. E você vai descobrir aos poucos o verdadeiro significado de algumas coisas, como a profissão que escolheu, o mundo em que vive, e exatamente o que é capaz de fazer com tudo isso para garantir o seu sucesso e, acima de tudo, os sonhos que ainda vivem em você. E para mim, o som da largada em direção à maratona da vida real vai começar com a minha entrada triunfal e a minha música.

   Faltam cinquenta e um dias.


P.S. Só para constar, esta não é a minha música. Mas fica aí a dica.

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