Pular para o conteúdo principal

A odisseia da boa forma

Eu sou gordo. Para você que discorda; obrigado, é muita bondade sua. Para você que concorda, um aviso: eu estou ciente disso, logo você não precisa me lembrar disso toda vez que eu entrar no recinto. Atualmente pesando 88 quilos – com uma margem de erro do IBOPE entre 85 a 115 quilos – eu decidi aproveitar meu recente descontentamento ao me olhar no espelho junto ao sol que resolveu brilhar em Cascavel de novo para voltar à academia, com toda a esperança e ilusão que esse processo causa em mim.
   Se minhas contas estiverem certas, esta é a 8ª vez em que eu decido começar a frequentar uma academia – e se meus padrões continuarem fieis a mim, esta também será a 8ª desistência sem justificativa nem arrependimentos imediatos. É um ciclo quebrado: eu me olho no espelho e me sinto mal, me inscrevo na academia mais próxima, me animo a ir malhar por umas duas ou três semanas ininterruptas até que, um belo dia, chove torrencialmente ou algum compromisso matinal me impede de ir cumprir minha pena. E uma falta lentamente se transforma em duas, três, uma semana... Até eu me pegar desviando da rua da academia só para não ter que nem levantar peso na consciência por não ir mais.
   A verdade invariável sobre a odisseia da boa forma é que o sentimento de dizer para alguém que você está fazendo academia é indiretamente proporcional à agonia de realmente fazer os exercícios. Porque apesar de já ser considerada commodity, academia é uma coisa muito, mas muito – e aqui eu peço liberdade para expressar a minha falta de criatividade momentânea de adjetivos – chata. E repetitiva. E enjoativa. E estressante. E, sem sobra de dúvidas, infinitamente frustrante. E só digo isso porque, entre criar coragem para levantar da cama de manhã e me dispor a malhar, e tentar canalizar toda a minha força para completar uma série de levantamentos de supino reto, a chateação disso tudo me faz pensar absurdos do tipo: se eu estivesse preso, provavelmente estaria fazendo levantando pesos lá, mas só porque seria a única coisa que ia ter pra fazer...
   Eu realmente me esforço para fazer certo todos os exercícios que me foram passados, mas o maior problema mesmo é chegar até a academia. Se houvesse um personal trainer que eu pudesse contratar só para me acordar no grito e me obrigar a ir malhar, talvez eu não passaria os meus dias revezando as poucas roupas que ainda me servem sem delatar totalmente os meus mamilos avantajados. E depois que eu chego as coisas não melhoram muito: talvez seja impressão minha, mas eu sinceramente acredito que todas as outras pessoas que frequentam aquele espaço estão ali desde quando nasceram, entraram em forma em questão de dias, e levantavam os pesos que eu levanto hoje quando ainda usavam fraldas. Mas quando se é o novato da academia, os fatídicos primeiros dias de treinos de adaptação às vezes nem envolvem pesos; apenas você usando shorts tentando tão parecer ridículo enquanto se exercita apenas com a barra, porque o professor decidiu que você ainda não aguenta os pesos. Isto quando ele não te pega fazendo algum exercício errado e te corrige, mas não sem dizer para a academia toda ouvir, “Não adianta querer pegar muito peso hoje porque você não vai entrar em forma da noite pro dia!”.
   Como não existe esse negócio de ter pouco azar, também parece que no dia e no horário em que eu decido ir, o resto do mundo também se inspira. E como se isso não fosse o bastante, o resto do mundo chega lá antes de mim e ocupa todos os aparelhos. Pior do que se matar de correr na esteira, é ter que esperar para se matar de correr na esteira. Ou então, ter que usar um aparelho impregnado por outra pessoa que acabou de desocupá-lo antes que outro venha e tome a sua vez. É como correr uma maratona, só que mais dolorosa.
   E dolorosa com toda a ênfase possível, porque os primeiros dias de volta à academia sempre me deixam com uma leve sensação de paraplegia. Até piscar dói, e se algo cair no chão, seja lá o que for, ficará lá para sempre. Porque se eu tentar pegar, vou acabar caído no chão junto ao troço. É um ciclo quebrado, fatigante, exaustivo e frustrante (porque infelizmente eu ainda não sobrevivi o bastante em uma academia para chegar a ver seus resultados), mas é lá que eu ando começando os meus dias ultimamente, ofegante em uma esteira e cercado por seres mais dedicados da terceira idade e/ou mamíferos imensos que sinceramente me fazem dar os parabéns a eles por estarem lá, mas que me entristecem com a visão das suas pelancas balançando entre exercícios.

   Eu odeio academia, mas por enquanto ainda não desisti. O que me motiva a continuar não é a vontade de ficar em forma ou de perder a barriga de chopp; é que eu preciso ir mais algumas vezes pelo menos para compensar pagar pelo mês inteiro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento