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O mundo real


É oficial: eu agora vivo em um mundo pós-formatura. Logo irá completar um mês desde que as faxineiras daquele salão de festas varreram todo o confete, o glitter e a despreocupação universitária até o caminho do lixo. Curiosamente, também completará um mês desde que eu vi algumas pessoas. Pessoas com as quais compartilhei alguns bons anos que agora se configuram a encontros momentâneos na rua por aí, ou através de mensagens no whatsapp do tipo, “Precisamos combinar alguma coisa!” E precisamos mesmo! Já faz algum tempo que a gente não se vê. Mas o trabalho, e a correria, e os compromissos, e o cansaço, e o sono acumulado, e eu preciso passar no banco antes de ir para o escritório amanhã, e não posso me esquecer de pagar as contas em dia, de ir ao mercado, de cortar o cabelo, de lavar a louça, daquela proposta que deixei na minha mesa...
   E lá se foi um mês.
   E não reclame, Igor, porque apesar dos pesares esta é a vida que você ficou repetindo que tanto queria por muito tempo. E talvez seja mesmo isso o que torne ela tão inquietante: ela é real. Não é tão assustadora como eu imaginei que seria; ter a vida de um adulto um dia, com seus afazeres razoavelmente em dia e com as olheiras nos joelhos. Mas parece que tudo passou tão rápido... Não foi ontem mesmo que a gente costumava se reunir aqui em casa para reclamar sobre o quanto é chato ter que estudar para provas, e que bom seria se a gente pudesse ir direto daqui para o bar? Meu sono está bastante atrasado, por isso tenho certeza de que não adormeci e perdi a parte em que essas reclamações ficaram para trás, para dar lugar a outros momentos definitivos. Como hoje mesmo, quando estava voltando para casa do trabalho, peregrinando pacientemente pela rua, e acidentalmente me virei para o lado da cidade aonde o sol se põe... E me peguei parado, pensando em quando foi a última vez que me lembrei de olhar para o por do sol. Provavelmente antes dos meus dias se tornarem mais úteis e comerciais, e menos ociosos e filosóficos.
   Mas eu não estou reclamando. Juro! Quando me perguntam se estou feliz, digo o que consegue ser a resposta mais próxima do otimismo, considerando o meu desprezo por ser indagado sobre estar ou não “tudo bem” comigo:

- Você está feliz?
- Olha... Eu não estou triste. O que já quer dizer muita coisa.

   Só fui pego desprevenido. É isso. Quando vi, já faz quase um mês que aquele grande dia chegou e já passou, e em seguida vieram outros um pouco menos especiais e bem mais cansativos. Ando bastante cansado, e com uma nova e mais valiosa apreciação sobre as sextas-feiras. Tudo isso faz parte da dor e da delícia de continuar querendo ser quem eu sou, agora solto e registrado em carteira no mundo real. E eu sinto falta de muita coisa que ficou para trás: as risadas na mesa do bar, a leveza do entardecer, a ingratidão por cada por do sol. Apesar de tudo, ainda é bom saber que a correria e o cansaço do dia a dia não extinguiram em mim a constante capacidade de enxergar poesia e metáforas onde parece haver apenas sono e fadiga. Eventualmente a gente se acostuma e pega o jeito de lidar com esse universo pós-graduação, e até daremos um jeito de nos reunirmos em algum bar novo, mas por enquanto talvez seja necessário aceitar que as coisas não vão ser mais do jeito que eu quero por algum tempo – serão do jeito que poderão ser. E que, pra falar a verdade, isto não é o fim do mundo.
   É só o começo.

***


   Até as postagens se tornaram mais raras, mas é só até eu pegar o jeito de descrever bem este bravo novo mundo que me cerca. Felizmente, eu não estou sozinho.

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