Pular para o conteúdo principal

A crise dos sete meses


Relacionamentos duradouros não são o meu forte. De nenhuma natureza. Foi a essa conclusão que eu cheguei, depois de passar um tempo considerável pensando sobre porque algumas coisas na minha vida, ironicamente, não duraram um tempo considerável.

O emprego mais longo que já tive, por escolha e não circunstância, durou exatos seis meses e meio. E me lembro disso porque a esta altura, eu contava cada dia em que estava naquele escritório. Em uma moda similar a dos presidiários que somam os dias da sua pena com risquinhos desenhados em uma parede da cela. Até enfim decidir me libertar, mas dentro dos parâmetros do capitalismo. A diferença entre cidadãos livres e presidiários está em como chamam essa tal liberdade. Cidadãos chamam de aviso prévio. Aos condenados, a condicional.

O namoro mais longo que já tive chegou à marca exata dos seis meses. Não me lembro ao certo qual foi o momento em que percebi que o amor acabou – se houve amor – e que estava na hora de ser sincero sobre isso. Teve lágrimas, muita mágoa e descontentamento por uns meses, mas não houve arrependimento. As pessoas acham que não se leva amor em conta quando decidimos abrir mão de alguém. Eu discordo. Acho que é aí que descobrimos exatamente o quanto nos importamos, e o quanto queremos que ela seja feliz. Admitindo, primeiramente, que isso não será possível ao meu lado.

***

Ainda sobre as estatísticas que já acumulei nos meus 25 anos:

- 10 apartamentos
- 9 grupos de WhatsApp (que não posso abandonar)
- 8 porres históricos
- 7 redes sociais
- 6 empregos
- 5 gatos
- 4 cidades
- 3 relacionamentos sérios
- 2 convites para padrinho de casamento
- 1 acidente quase fatal

***

Ao pesquisar sobre algum motivo que explique toda essa inquietação, encontrei algumas das referências mais constantes da minha vida: psicologia e filmes antigos. Em 1955, Marilyn Monroe estreou o clássico instantâneo “The Seven Year Itch” (traduzido livremente como “a crise dos sete anos”, e renomeado brasileiramente como “O Pecado Mora Ao Lado”), onde faz o papel de uma mulher que atrai a atenção do seu vizinho, que vem passando por uma crise conjugal.

O filme explora as nuances da vida a dois e sua inevitável sensação de estagnação, abrindo brecha para que o homem considere ter um caso com sua vizinha para quebrar a rotina do seu casamento morno. Adaptado de uma peça mais antiga ainda, o texto usa pesquisas psicológicas sobre como o descontentamento com relacionamentos longos tende a atingir o seu ápice durante o 7º ano de duração – seja com uma parceira, um emprego ou uma mudança que aos poucos vai perdendo seu caráter de novidade.

Eu não assisti ao filme e nem preciso. Vivo um drama similar diariamente que, ao julgar pelas evidências, vem se repetindo há anos. Mas no meu caso, as crises vem a cada semestre. Tenho uma inquietação incessante em mim que vai desde o quanto me mexo na cama até finalmente pegar no sono – ao ponto de conseguir a proeza de acordar até sem o lençol de elástico que estava debaixo de mim – até as escolhas de vida que faço. Os cursos que optei estudar, as mulheres com quem me envolvi, os trabalhos que aceitei com uma animação que parecia que nunca ia me abandonar. Não foi da noite pro dia, mas o entusiasmo tornou-se tão rarefeito quanto as minhas certezas sobre quem eu sou e o que estou fazendo aqui.

Não tenho arrependimentos, mas tenho dúvidas. Não sobre o que ficou para trás, mas sobre o que virá adiante...

Felizmente, a inquietação que me abate é sempre a mesma que me salva. Eu não assisti ao filme, mas li trechos da peça que encontrei na internet. E como eu sei que você também não assistiu o filme, nem irá ler nada a respeito, permita-me contar como termina:

SPOILER ALERT!
.
.
.
.
.
.
.
A crise passa. O homem não trai. O casamento se mantém. A vida continua.

E essa é o melhor final que poderia haver para essa história. Talvez relacionamentos longos não sejam a minha especialidade, mas se há um pelo qual sempre estive perdidamente, irracionalmente e inevitavelmente comprometido, é aquele que mantenho comigo mesmo. E se nós somos a única constante verdadeira nesta vida, faça um favor a si mesmo: não viva de um jeito só.

Mude, mas não esqueça quem você é.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento