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O medo

“Uma mulher irá te perdoar por tentar, mas ela nunca te perdoará por não tentar”.

Eu não sei de onde o meu amigo tirou isso, e olha que eu fui atrás de pesquisar se tal sabedoria partiu do Winston Churchill ou do Mahatma Gandhi para pelo menos atribuir uma fonte à pérola. Mas foi o que me marcou durante a nossa última conversa, enquanto eu pontuava os prós e contras de chamar uma garota para sair. Não se fala muito sobre a insegurança masculina por aí e independente da corrente filosófica que reprime tal sentimento, é preciso falar mais sobre isso. E mesmo que não seja, eu preciso falar sobre isso. Porque eu tenho medo.

É. Medo. Sabe o medo? É o que acontece bem antes de uma relação ser definida por um “eu te amo” ou um “visualizado às 14:15”. O medo de perguntar: “Quer sair comigo?

Depois dos vinte, relacionamentos ainda mantém uma natureza livre e desimpedida, mas já com algumas atribuições e pré-requisitos antes de qualquer partida a dois começar a ser jogada. Você já conhece um pouco mais sobre si mesmo para dizer com propriedade do que gosta ou o que não gosta, e as possibilidades passam por critérios mais bem estabelecidos. Salvo, é claro, as vezes em que o medo é inibido por matérias mais potentes – como o álcool nos finais de semana, as datas comemorativas e o “foda-se, hoje eu faço o que eu quiser” que é, comprovadamente, atemporal e inato a qualquer jovem de vinte e poucos anos que esteja se sentindo com pouco juízo e menos ainda a perder.

Mesmo subtraindo as expectativas, as experiências passadas e a aversão natural a qualquer coisa nova, chamar uma garota para sair sempre será um dos atos mais desafiadores na vida de um homem. Há estatísticas – abstratas, porém verdadeiras – que comprovam que isso só fica atrás da ressaca moral sofrida por mensagens enviadas na noite anterior sob o efeito de dezesseis chopes para sua lista inteira de contatos, ou esquecer de responder seis chamadas perdidas da sua mãe. Coisas que, aos vinte, deixam de serem simples e passam a ser verdadeiros campos minados que devem ser trilhados com cuidado e meditação. Na verdade qualquer bebida alcoólica deveria conter uma bula similar a remédios que prescrevem evitar o uso de equipamentos pesados, especialmente alertando sobre os usos do celular ou dizer “eu te amo” após seu uso.

Querendo ou não, chamar uma garota para sair sempre será o prólogo de alguma coisa. Um amor para recordar, um contato a ser evitado futuramente na agenda do celular, ou um eco do movimento modernista sobre “a vida inteira que poderia ter sido e que não foi”. Como escritor em treinamento, minha propensão é de sempre traduzir qualquer aspecto da minha vida para a literatura, nem que seja para dar um ar um pouco mais romancista a uma relação que teve tudo menos isso. Mas seja lá qual for o seu contexto, não me diga que a insegurança não te alcança a cada vez em que alguém novo inicia uma nova conversa com você, em que ainda não há um histórico para se amparar.

Porque hoje em dia tudo é criptografado, digitalizado e armazenado, para você nunca se esquecer de que o passado não é só uma sentença, mas um cabeçalho no qual você se apóia para tentar decidir se arrisca um novo “oi” ou se espera porque “é a vez dela” de tentar se arriscar em você.

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