Pular para o conteúdo principal

Um dia você vai gostar de alguém


Um dia você vai gostar de alguém, como nunca gostou de outra pessoa antes. Vai acordar pensando nela, vai sair para trabalhar pensando nela, e vai encarar os ponteiros do relógio pensando nela. Esperando que o tempo passe mais rápido; que os minutos virem horas, e que as horas vierem dias. E que tudo isso te empurre adiante, de encontro a ela mais uma vez.

Vai pensar, inclusive, duas vezes nela. Primeiro em saudade, depois em insegurança. A vontade de dar aquele “oi”, mandar aquela mensagem boba que não leva a nenhum assunto urgente ou até mesmo coerente. Qualquer coisa para satisfazer a vontade de falar com ela novamente. Falar, ver, tocar. Mas a insegurança...

A insegurança é aquela que nos impede de agir sem medir conseqüências. É o impulso de sobrevivência que nos alerta a olhar para baixo antes de pular. Porque todos nós já caímos, nos quebramos um pouco, e temos as histórias e as cicatrizes para nos lembrar de que, se for pra ser de tal maneira, é melhor não ser de jeito nenhum. A insegurança, enfim, é aquela que apaga a mensagem escrita pela metade, para evitar que um sentimento seja exposto por inteiro.

Mas você vai gostar de alguém um dia que te fará esquecer de olhar para baixo. Não porque será particularmente seguro pular, mas porque a experiência vale a pena. Ela fará você parar de duvidar dos outros, das coisas e de si mesmo. E arriscar pensar que, talvez, só desta vez, pode dar certo.

Você vai gostar de alguém que vai te ensinar a acreditar de novo. E a dar “enter” nas mensagens sem imaginar, supor ou procurar todas as interpretações possíveis acerca das suas palavras. Você só vai se importar com que elas cheguem até o seu destino.

Você vai gostar de alguém que te lembre que não precisa esquecer de si mesmo para gostar dela. Vai descobrir, inclusive, que não há outro jeito que funcione a não ser este. Você vai gostar dela por ela, e ela vai gostar de você por você. Não pelo que podem completar um no outro, mas pelo que pode ser compartilhado.

Você vai gostar de alguém que vai te inspirar a ser clichê. Que te inspire a perguntar como foi o dia dela, ou se aquela dor daquele tombo que ela levou naquele dia no trabalho já passou, ou se ela lembrou de comprar aquele item no mercado que faltava para a receita nova que ela queria tentar fazer em casa. Você vai gostar de alguém, inclusive, que dorme durante as suas conversas. E não vai julgar isso como um sinal de desinteresse.

Você vai gostar muito de alguém, mas também dormirá durante as suas conversas. Porque vocês são adultos, trabalham, tem dores e cansaço, e quando se jogam na cama ao fim do dia – mesmo que em camas separadas – e descobrem que o outro está bem, apesar dos pesares, já se sentem livres para descansarem antes que mais um dia comece.

Você vai gostar de alguém que estará lá amanhã, ao contrário de todas as outras que desapareceram durante a noite. E você vai gostar de alguém o bastante para querer estar lá também, dia após dia.

Você vai gostar de alguém que te trará dúvidas. Mas não do tipo “será que ela gosta de mim?” ou “será que eu não deveria ter mandado aquela mensagem?”, e mais do tipo “será que teremos condições de bancar aquele apartamento com a decoração bacana que ela sugeriu?”.

Você vai gostar de alguém que não te dará medo de fazer planos. Mas eu admito que ainda tenho, e muito por sinal. Assim como tenho as minhas inseguranças, os meus dilemas envolvendo mandar ou não um “oi” por WhatsApp, um nervosismo na voz a cada novo telefonema, e um pavor quase letal de trazer a tona quaisquer questionamentos que envolvam o nosso presente, o nosso futuro, ou simplesmente a denominação em voz alta da mais sonhada e instável terceira pessoa do plural: nós.

Um dia você vai gostar de alguém desse jeito e de vários outros. Acredite em mim: estou tendo um desses dias.

(Escrito em 15/10/2016)

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento