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A pirâmide invertida


Com quase três períodos concluídos no curso de Jornalismo, alguns conceitos deixam de ser meras teorias e passam a fazer parte do seu dia a dia. Em sala você aprende que nem toda informação é digna de se tornar notícia. Enquanto isso, na vida, você descobre que alguns conceitos englobam muito mais do que a resposta em uma questão dissertativa na prova bimestral.

Uma notícia é construída a partir de uma informação cujo interesse que desperte seja grande e proporcional à importância que possui dentro de uma determinada comunidade. O que mais poderia depender da combinação entre interesse e importância? (Valor: 1,0 ponto)

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Há quem diga que o verdadeiro aprendizado da faculdade está localizado fora da sala de aula; está nas experiências pessoais que você adquire ao longo dos semestres. Como a primeira vez em que você mata aula para ir ao bar do outro lado da rua, e começa a reparar nos pequenos macetes para disfarçar o cheiro de cigarro e o bafo de cerveja dos seus pais. Ou a primeira vez em que você fica com alguém e descobre que ele ou ela estudam não só no mesmo bloco que você, mas na sala ao lado. E por mais que você não queira repetir a dose, estará fadado a reencontrar a pessoa nos corredores ou nas escadarias pelo restante do ano letivo.

Não nego o valor que existe em desbravar o mundo ao redor do campus da universidade, mas há definitivamente uma vantagem para aqueles que resistirem ao instinto de dormir durante as aulas e perceberem o quão aplicável toda aquela teoria que você passou quarenta minutos copiando do quadro pode ser. Como foi o caso da pirâmide invertida.

Notícias são escritas por meio de um modelo pós-moderno chamado de “pirâmide invertida”: as informações consideradas como as mais relevantes – respondendo a questões básicas (o que/como/quando/onde/com quem/por que/para quê isto aconteceu?) – que compõe o “lead” da matéria deverão sempre vir em primeiro lugar no texto, seguidas por outros fatos mais supérfluos. Enquanto o professor despreocupadamente ditava tudo isto mais rápido do que eu conseguia escrever utilizando uma letra decente, eu pensei no quanto este modelo não só revolucionou o jornalismo, mas na sua empregabilidade em outros contextos. Mas estaria mentindo se dissesse que cheguei mesmo a algum plural em meus pensamentos. O foco foi único, e o mesmo de sempre: relacionamentos.

Quando você conhece alguém, digamos, através de meios mais convencionais – o amigo do amigo, a garota no bar, ou até mesmo um match do Tinder – as perguntas básicas são exploradas antes de qualquer contato físico ocorrer. Você procura se informar sobre aquela pessoa antes e, a medida em que as respostas são diretamente proporcionais ao interesse, decide então entrar em modo plantão e parte para o mais importante: um beijo.

Agora, quando você conhece alguém, digamos, por vias indiretas – bêbado em uma cervejada, animada em uma balada ou (convenhamos) um primeiro encontro de Tinder – às vezes o beijo acontece sem que as perguntas básicas sejam feitas ou, digamos, sem que você sequer se lembre direito do nome da pessoa. Acontece. E seja lá qual tenha sido a abordagem escolhida, é a que dará o tom do relacionamento que irá segui-la.

Nem sempre as matérias seguem a regra da pirâmide invertida. Assim como nem toda informação se torna notícia, nem todo encontro, beijo ou conversa se torna um relacionamento sério. Mas talvez essa técnica, criada durante a Primeira Guerra Mundial com o propósito de informar a população acerca do que estava acontecendo nos campos de batalha, seja igualmente relevante em se tratando das pessoas com quem nos envolvemos. Se eu sei de antemão quem é você, como e quando chegou até aqui e o que procura, talvez nos decepcionaríamos menos. Em vez dos casos em que nos precipitamos e deixamos um beijo acontecer antes de investigarmos qual é a história daquela outra boca.

E se eu gostar de você, e você não estiver interessada em me ver de novo? Talvez algumas guerras simbólicas fossem evitadas. Devo mandar ou não uma mensagem? Convidá-la ou não para sair? Admitir ou não que sinto a falta dela?

O “lead” foi desenvolvido por um motivo – talvez o mesmo pelo qual devemos escolher bem as pessoas que deixamos entrar nas nossas vidas. Se funciona para o jornalismo, o meio em que eu decidi construir a minha vida profissional, certamente deverá funcionar para a minha vida pessoal também.

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Para você que não soube responder a pergunta no início do post, duas observações:

1) Estude para as matérias nas quais você provavelmente ficará em dependência.
2) Boa sorte na vida.

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