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Mostrando postagens de abril, 2018

O que eu escrevi por amor

Talvez a tragédia de qualquer escritor more ao lado do seu suposto talento de traduzir a vida ao seu redor em palavras. Porque é um talento invariavelmente posto à prova em rascunhos envelhecidos numa gaveta do criado mudo, ou escondidos em uma pasta oculta do computador. Palavras que envelhecem mais rápido do que seu autor, com o passar dos anos, cuja mensagem original cede seu lugar para outros sentimentos mais atemporais do que o preferível: arrependimento, inocência, saudade. A meu ver, escrever nunca foi um gosto a ser aperfeiçoado a cada artigo científico que precisei escrever, ou a cada mensagem de aniversário que dediquei a um amigo. E, definitivamente, não foi algo afinado a cada declaração de amor que divulguei por aí. A tragédia de qualquer escritor é ter um histórico de mensagens ao seu dispor. O que um ego reúne para a posteridade, ele destrói na mesma intensidade. Toda vez que relê o que deixou marcado numa folha de papel de outrora, e se depara com a frequência

Eu ainda estou aqui

A vida é muito curta. Quando eu penso sobre todas as cidades nas quais morei, todos os empregos que tive, todas as ruas por onde andei, até todas as pessoas que conheci, é difícil concordar com autores como T. S. Elliot. “ A vida é muito longa ”, ele escrevera. Talvez seja uma questão de perspectiva: eu não teria um histórico tão abrangente na memória, se a vida não fosse tão longa. Mas o que explicaria então, escrever sobre essas coisas no tempo passado? Ou quem sabe, a vida não tenha sido feita para ser definida. O que explicaria, ironicamente, porque as cidades, os empregos, as ruas e as pessoas sempre mudam. “ Que seja eterno enquanto dure ”, já dizia Vinícius de Moraes. Convenhamos que um autor nada mais é do que alguém com tempo demais em mãos. O que eu quero mesmo dizer, independente de qual for o tempo que esta vida dure, é isso: até que se prove o contrário, esta é a sua única chance de fazer o que quiser. O projeto em si é brilhante: você sabe para onde está caminhan

Medianeira

Dez minutos. Este deve ter sido o tempo máximo durante o qual o ônibus ficou parado na rodoviária. Mas eu não precisei procurar por nenhuma placa que me informasse aonde estávamos. Eu senti um arrepio na espinha quando olhei de relance por uma das janelas e reconheci aquela parte da estrada. Entre o mundo novo e o antigo, há sempre um lugar por onde o caminho se desdobra.  Eu sabia exatamente aonde estava e, principalmente, quem estava por perto. Alguém que desapareceu para mim desde o último calendário. Alguém que, ao que recordo, nunca quis que eu estivesse naquele lugar.  Alguém que, entre falsas promessas e dedos cruzados, partiu meu coração.  Por cerca de dez minutos, eu perdi o fôlego. A verdade é que eu não conhecia a cidade - nunca adentrei seus limites, nunca percorri suas ruas, e nunca conheci o seu centro. Há quem diga que haviam mais paralelos entre você e a cidade do que um mero olhar pela janela de um ônibus era capaz de perceber. Eu mesmo costumava pensar que