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Nós



A verdade é que ninguém realmente saberá responder à eterna pergunta: “o que faz um relacionamento funcionar?” O mesmo pode ser dito sobre suas variantes: “estou em um relacionamento saudável?”, “é isso mesmo que eu quero para a minha vida?”, “quando se sabe que tal pessoa é de fato a pessoa?”.

Eu li certa vez em algum lugar sobre como você realmente se descobre como pessoa pelo modo de criar seus próprios filhos. Apesar de ainda não ter a experiência em arquivo, eu prefiro pensar que existe um estágio anterior a este. Um bem mais antigo e registrado por sociólogos, psicólogos, antropólogos, e quaisquer outros especialistas que estudaram para adicionar o sufixo “ólogo” ao seu título. Você se descobre mesmo a partir do outro. Ou, melhor dizendo, a partir de momento em que duas pessoas completamente diferentes – com endereços distantes, educações paralelas, dotados de uma constelação de amigos, familiares e ex-pessoas que vieram antes – decidem assumir a posição mais comprometedora de todas. A irônica primeira pessoa do plural: nós.

Por que irônica?”, você já deve estar pensando. Bom, em se tratando de prioridades, quem vem primeiro: nós ou ele(a)? Estar em um relacionamento é estar invariavelmente fadado a não só questionar-se, mas ao outro também. Do “bom dia” ao “boa noite”, passando pelos entraves mais simples do tipo “o que você quer comer?” e circulando as rotatórias do tipo “o que você quis dizer com isso?”. É passar horas, dias, semanas pensando sobre quem realmente é aquela pessoa, até finalmente trazer o questionamento de volta para si na forma de “é com ela com quem eu deveria estar?”.

Viver sozinho é fácil, acredite em mim. Sartre não cunhou sua célebre frase, “o inferno são os outros”, à toa. Mais do que isso: ele criou uma linha completa de raciocínio psicológico dedicado a esse exato princípio – algo que você ouviu por aí chamado de Existencialismo. E você não precisa ser ter um diploma em Psicologia para entender certos conceitos: o conteúdo fenomenológico-existencial registrado em livros de pesquisa é o mesmo aplicado por abaixar sutilmente a cabeça enquanto caminha pela rua para evitar cumprimentar um semi-conhecido.

“Antes só do que mal acompanhado” é outro clichê famoso. Geralmente empregado por pessoas que, antes de conceberem a possibilidade de interagir com alguém, ainda sequer dominaram a arte de conviver consigo mesmo. Falando por mim, eu costumava praticar “a dor e a delícia de ser” quem eu sou (créditos: Caetano Veloso) ao ponto de amigos de longa data sequer terem chego a conhecer o interior do meu apartamento. O outro existia até onde eu podia controlá-lo: no limite exato entre a minha real intimidade e a sua destrutiva exposição.

Eu gosto das minhas coisas no exato local em que as deixo, e se algo um dia mudar será por opção minha. O que, por sua vez, explica a minha completa falta de destreza para lidar com mudanças originadas pelo mundo real – sejam elas familiares, afetivas ou imobiliárias. O único objeto verdadeiramente imóvel da vida é a morte. O que acontece entre o nascimento e a próxima vez que algo despencar de um prédio na minha cabeça, é puro e indisciplinado caos. Salve-se quem puder, literalmente. É mais fácil fazer isso com alguém ao seu lado? A melhor resposta para tudo na vida é e sempre será: talvez.

A essa altura você deve estar se perguntando, mais uma vez, o que isso sinceramente tem a ver com relacionamentos. Provavelmente estava lendo até aqui na esperança de que eu produzisse respostas satisfatórias o bastante para tornar o seu domingo mais leve. Bom, eu não tenho as respostas – não foi o que eu disse desde o começo, lá em cima? Mas é a curiosidade, a procura, o “talvez”, que nos tira da cama todas as manhãs. A incerteza sobre o que acontecerá conosco hoje, ou amanhã, ou depois. Não só conosco, mas com aqueles que amamos. Será que continuarão ao nosso lado? Será que nos deixarão a partir do momento que descobrirem quem realmente somos? Ou então, continuaremos ao lado deles depois que nossa primeira impressão tornar-se rarefeita? Eu também não sei. É impossível mensurar quem é uma bagunça maior: você ou eu.

Cada questionamento é um novo aperto do nó enlaçado entre a sua vida e a minha. Porque é isso que decidimos ser: nós. Algo unido ao ponto de quase mesclar-se ao outro, porém diretamente proporcional na segurança e na dor que tende a causar. Talvez ainda exista um nível superior a esse, quando os filhos entram em cena, mas por enquanto tudo que posso dizer com certeza é que viver a dois, embora deveras desafiador, ainda faz a vida valer a pena. Todos procuramos respostas para os “talvez” que nos rodeiam. Mas a partir do momento em que você disse “sim”, a dor parou. Entre neuroses, ansiedades e inseguranças, a outra verdade é que eu nunca mais vivi sozinho.

Sabe o que também não recebeu seu nome à toa? Aliança.

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