Por mais que eu tente, eu não consigo ter um dia normal. Meu nome é Igor Costa Moresca e hoje eu vi um pombo dançando “Hips Don’t Lie” na rua.
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Cascavel é uma cidade absurdamente imprevisível; prostitutas fazem ponto às segundas-feiras, a maioria das pessoas nunca ouviu falar de “Crepúsculo”, e a Coca-Cola em lata custa R$2,50 em todos os lugares. Mas nada se compara ao clima; quente em um momento, frio no outro, e isso não se deve apenas ao ar-condicionado do shopping. Só que não é disso que eu quero falar.
Com a superlotação que domina o ônibus no horário que o tomo para o trabalho somado com a atrevida tarifa de R$2,20, eu decidi que andar os 5 km que separam minha casa do shopping não seria tão ruim. Afinal, entre derreter dentro do ônibus ou na rua, pelo menos na rua é de graça.
Saí de casa com pouco mais de uma hora para andar até o trabalho, armado com o mp4 carregado, – apesar da bateria viciada – meus óculos escuros que, depois de esquecer no carro do meu pai, finalmente recuperei, e meu bom humor. Andar ao som da minha trilha sonora me deixa de bom humor. Cantar também, mas só quando não tem mais ninguém no mínimo ao raio de 10 metros.
Vinte minutos depois, nuvens estranhas começaram a tampar o céu azul repentinamente e meu “modo pânico” foi acionado. Tentei entrar em negação, mas não tive tempo; uma gota d’água caiu direto no meu olho esquerdo. E então, lá estava eu quase na metade do caminho, na avenida principal da cidade, quando a tempestade começou. Não foi chuva, foi tempestade mesmo.
Por mais surreal que pareça, corri para o estabelecimento mais próximo para me proteger – e era um McDonalds. Decidi comer um pão tostado enquanto esperava a tempestade passar, mas só serviu para me ocupar enquanto via as águas aumentarem suas forças pela janela quase coberta de adesivos. Foi então que me deparei com a escolha: ou eu me atrasava para o trabalho (de novo), ou eu enfrentava a chuva e simplesmente ia tentando me proteger debaixo dos toldos acima das lojas na rua até chegar ao shopping. Eu fiz a escolha mais úmida.
Parecia um bom plano na minha cabeça, mas eu nem parei para pensar que meus planos geralmente envolvem mais fantasia do que realismo. Talvez, por um instante, eu tenha achado que começaria um musical à medida que eu pulasse poças d’água pelo caminho, e isso subconscientemente tenha feito com que eu saísse correndo do McDonalds com o pão meio comido na mochila.
Passei correndo por lojas, vitrines e bancos, todos com pessoas sãs me olhando com espanto. Senti-me como no meio de um desfile de chegada à cidade, decorado por jatos de água que pareciam vir de todas as direções. Algumas pessoas nem acreditavam quando me viam todo molhado ao chegar debaixo de uma cobertura, e ainda sim continuar caminhando. Em Londrina, fiz isso o suficiente para ser tratado como figura rotineira no centro da cidade em dias nublados.
Foi então que passei frente a uma “cover” das Casas Bahia, e um grupo de vendedoras que estava na porta da loja me chamou. A moto de uma delas estava caída e acorrentada no meio-fio frente a porta, mas nenhuma se atrevia a se envolver na tempestade e levantá-la antes que fosse danificada. Como eu já estava encharcado mesmo, perguntaram sem titubear se eu poderia fazer o favor. Com minha vergonha e integridade escorrendo por meu rosto e minhas roupas, concordei imediatamente.
Levantei a moto, jogaram-me a chave do cadeado para libertá-la e a levei até a calçada, perto da porta da loja onde a dona pôde manuseá-la e conferir aliviada a falta de arranhões ou batidas. Depois de ser aplaudido pelas vendedoras e ser atonitamente observado por todos os outros espectadores abarrotados em lojas ao redor, prossegui meu caminho um pouco mais satisfeito; pelo menos adentrar a chuva interminável não foi totalmente inútil. Mas isso não fez do caminho restante menos complicado.
Uma vez que eu estava molhado o bastante, não me incomodei mais com a chuva e segui o percurso cantando, o que até me fez chegar mais rápido. Entrei pela doca do shopping acompanhado dos olhares tipo “não-acredito-que-você-fez-isso” de seguranças, faxineiras e fiscais, pouco conhecedores da minha natureza inconseqüente.
Quatro telefonemas depois, consegui uma troca de roupas para trabalhar e uma blusa para sobreviver ao ar-condicionado tenebroso. Antes de tirar todas as coisas dos meus bolsos, testei se meu celular e meu mp4 estavam a salvo. O celular precisou de alguns tapas da bateria, mas pegou. O mp4 não foi tão forte e não ligou. Voltei ao trabalho com meu luto silencioso.
Horas depois, saí do trabalho com a mochila cheia com a roupa molhada e uma blusa por debaixo do uniforme, só para encontrar o sol iluminando o céu novamente. Rangi com os dentes durante toda a volta sem música de ônibus para casa.
[...]
De noite o calor persistiu um pouco, mas o frio da madrugada logo tomou conta. Cheguei tarde da faculdade após imprevistos com a van e comecei a arrumar minha mochila para a manhã seguinte. Num ato de curiosidade, tentei ligar o mp4 uma última vez antes de me desfazer dele – e fiquei em choque quando o pequeno aparelho, após poucos instantes, iniciar normalmente. Comemorei comigo mesmo e fui dormir um pouco cedo, só para ir a pé para o trabalho novamente na manhã seguinte. Dessa vez, o sol teria que me acompanhar. Se até o mp4 resistiu.
***
Hoje eu descobri minha característica mais marcante, ou minha qualidade mais peculiar. Mesmo na mais inimaginável das situações, eu ainda consigo manter meu bom humor. Seja durante uma tempestade ou mesmo se a van quebrar a caminho da minha casa, não consigo segurar sequer uma piada.
O que salvou meu dia, além da ressurreição do meu mp4, foi acalmar meus colegas de van ao convencer o motorista de que uma parada na feira prestes a fechar para comprar pastéis seria a coisa mais prudente a se fazer. Graças a Deus por frango e catupiry.
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