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Mostrando postagens de agosto, 2019

A teoria de conjunto

T odo relacionamento é uma equação: a soma de duas pessoas e suas respectivas histórias, famílias e traços de personalidade, elevada às mais infames neuroses, desconcertantes inseguranças e infinitos questionamentos, multiplicada pelo tempo que passam juntos, dividida pelas dificuldades que enfrentam tanto pelo mundo afora quanto entre quatro paredes. No entanto, apesar de todas as variáveis possíveis, quem decide se a conta bate ou não, são vocês dois. Eu nunca fui bom em matemática. A prova disso está nos meus boletins do Ensino Fundamental, sempre atrelados a um período extra de recuperação ao fim de cada ano. Todo dezembro parecia ser destinado a aprender o mínimo possível para satisfazer um conselho de classe sobre meus conhecimentos em álgebra.  Mas como todo adolescente alienado, meu interesse sempre priorizou amor à aritmética – um raciocínio ilógico se tivesse considerado o que sei hoje sobre teoria de conjunto. Basicamente, a teoria de conjunto envolve uma relação mate

As definições de medo foram atualizadas

A parentemente, eu tenho a mesma maturidade de uma rede social rejeitada. Talvez um pouco superior a do Orkut, depois dele ter sido banido do Tinder por pensarem que ele era um fake , mas ainda tínhamos algo em comum. “ Eu estava no meio de conversas com pessoas, fazendo novas amizades ”, disse o turco – algo similar ao que eu estava pensando, antes de me deparar com o resultado do concurso .  Contrariando todas as expectativas possíveis, após uma leitura atenta do edital preliminar, tive um dos meus maiores medos realizados: eu não sou inteligente o suficiente para passar em um concurso público. Ao menos, não de primeira, evidentemente. Foi o suficiente para tomar a atitude mais imaturamente sensata de todas: colocar-me de castigo ao desativar todas as minhas redes sociais. Bom, quase todas. Em um mundo cada vez mais caótico, tem sido reconfortante encontrar refúgio no Twitter . Apesar dos pesares, o ano de 2019 tem sido útil para vencer certos medos. Passando pelo trauma de

A dor maravilhosa

Já passava das sete da manhã quando me dispus a tentar mais uma vez. Apesar dos desenganos do dia anterior, estava diante da benção e desgraça simultâneas por ser capaz de sair da cama e enfrentar o mundo de novo. Brinco que não se pode ganhar todas, mas perde-las parece infinitamente viável. Ou, então: “vai; se der medo, volte”. Por bem ou por mal, crendo menos em mim do que era preferível até então, joguei uma água na cara para tentar acordar, calcei os tênis de corrida e fui.  Porque tudo se resume a isso, no final das contas: morra ou volte a correr. E sinta-se grato por estar vivo e ainda conseguir se arrepiar com o vento frio matinal cortando sua pele. É melhor do que o nada. Dor talvez seja o estímulo mais significativo de todos. Intransferível e intraduzível, ela é o que nos desperta e nos ensina. Existem maneiras menos infames de vivenciar o mundo ao seu redor, mas são poucas as que se aproximam da experiência de cortar-se, queimar-se ou chocar-se com a realidade. Ape

O tempo e o empenho

Eu queria ser mais humilde. Entre todos os defeitos, apesar das qualidades que eles invariavelmente sustentam, ser humilde é meu ponto fraco. Em seu lugar, ecoam os absurdos que eu digo sem pensar, as atrocidades que escrevo apenas pelo impacto literário, e as decepções que parecem não se curar. Tudo isso poderia ser evitado, remendado ou no mínimo editado, se eu fosse mais cauteloso com o mundo ao meu redor. Mas eu não sou – ele, muito menos – e cá estamos. Ambos inegavelmente esgotados. Por isso eu vou dar um tempo das manutenções de alguns dos meus mostruários digitais. Só os que parecem servir apenas para manter vivas as competições imaginárias nas quais eu me meto. E como se não fosse o bastante, saio com a sensação de que perdi, todas as vezes. Certa vez escrevi sobre meu medo de ser burro. Ao contrário de medos mais verossímeis em sua irracionalidade, como traumas de infância ou desilusões amorosas, minha fobia sobre ser insuficiente para um mercado de trabalho está, por

A fuga do sedentarismo

O lado bom de ser ansioso é estar constantemente tentado a seguir adiante – mesmo quando a única opção disponível parece ser aprender a esperar o tempo se encarregar da sua função de nos empurrar para frente.  Em épocas menos sedentárias da minha vida, quando tinha o privilégio de não me submeter aos testes de paciência do relógio, sempre preferi – por exemplo – andar em vez de sofrer ao sol escancarado sob um ponto de ônibus, à espera de um milagre: que meu ônibus passasse no horário marcado.  Foi assim, inclusive, que decidi que era capaz de andar de Londrina à Cambé, depois de perder minha condução tradicionalmente fora da grade que deveria seguir. E fui – duas vezes. Ser ansioso invariavelmente inclui vencer desafios propostos por ninguém, e sentir-se grandioso por isso. Ao contrário das minhas competições imaginárias contra o resto do mundo, meu sentimento de grandiosidade ultimamente vem justamente da dor e da delícia de ser sedentário agora. Houve um tempo em que o

A institucional leveza do ser

Não existe emprego perfeito. Em uma das suas palestras, o psicólogo/consultor empresarial Waldez Ludwig me impressionou com um pensamento diferente da ordem vigente da época em que eu o descobri. Ironicamente, foi o mesmo período no qual eu comecei a descobrir os supostos pré-requisitos para ingressar no mercado de trabalho.  “Na vida, a gente precisa gostar do que faz; não o contrário. Se todo mundo fizesse o que gosta, não haveria nada no mundo.” Contra fatos não há ressentimentos. Isto é, a não ser que você tenha a sorte de conseguir escolher uma área em especial para se qualificar, e indicações o bastante para te encaixar nela pós-formatura. Seja como for, a ordem natural parece ser imutável: trabalhe com o que gosta e aprenda a odiar o que gosta, se o que gosta envolve fazer parte de uma suposta organização.  É até engraçado, parando pra pensar, em como são poucas as organizações cujos processos fazem jus ao título. Vez por outra, é mais frequente perder-se em meio ao c

A lista de desconvidados

Relembrar é procrastinar. Ao menos é assim que eu vejo a oportunidade de atualizar o Instagram nas quintas-feiras com a melhor foto antiga que eu consiga achar, justificando a repostagem pela hashtag “#tbt”. Claro, houve um tempo em que eu costumava acreditar exatamente no contrário – “relembrar é viver”. Ironicamente, o próprio tempo tende a demonstrar o quão objetivo você precisa aprender a ser, em se tratando dele mesmo.  Por exemplo, quem ainda acha que “relembrar é viver” definitivamente não precisou esboçar uma lista de convidados para o seu próprio casamento. Entre milhares de dicas sugeridas por blogs, sites, cerimonialistas e outros colegas que já passaram pelo verdadeiro batismo de fogo da organização de núpcias, uma das mais recorrentes parece ser também a mais viável. Isto é, em se tratando de jovens casais ansiosos pelo grande dia, mas igualmente atentos à vida pós-festa. Relembrar dos bons tempos e das companhias com as quais você compartilhou momentos especiais é b

A odisseia do transporte público

Andar de ônibus é mais que uma modalidade urbana; é uma educação. Desde os princípios da física – ao aprender que uma mão não será o suficiente para te amparar quando ele faz uma curva aberta – até o ensino religioso – quando você avista seu número se aproximando do ponto e reza para que dê tempo de embarcar. Salvo alguns anos do meu ensino fundamental, em que a sorte ainda me permitia depender de várias opções de linhas que passavam na frente da minha casa para me levar até a escola, eu nunca realmente dependi de ônibus. Mais do que isso: sempre fiz questão de provar o contrário. Como quando aprendi a ir andando por diversos caminhos até o centro de Londrina, e a transitar pela cidade para chegar a qualquer outro destino que desejasse ir. Até a prova definitiva, durante os meses que morei no anexo Londrinense batizado de Cambé, quando perdi o único ônibus metropolitano que passaria pela próxima hora. E ao avisar o horizonte com descrença e frustração, pensei comigo mesmo: “ Pelo

O verdadeiro você

Hemingway talvez tenha descrito da melhor maneira possível o sacrifício da literatura. “O único tipo de escrita que existe é a reescrita”, esboçou o jornalista. A célebre pérola encapsula a essência outrora empregada na tentativa do homem de tentar conceituar outros fenômenos alheios à sua limitação. Em se tratando da natureza, Lavoisier foi objetivo: “Na natureza nada se cria, tudo se transforma”. A música, por sua vez, nada mais é do que doze notas intercaladas por uma oitava, em uma ordem repetente.  O que todas essas ideias têm em comum?  Simples. O mundo é como é, composto por suas extremidades e dotado de mil e uma possibilidades a serem exploradas nele. O modo como você o vê, no entanto, é único e intransferível. Por mais que você escreva, estude ou componha para traduzir como as coisas lhe parecem, sua essência particular permanece intocada. Logo, é de se esperar que inevitavelmente esbarremos em clichês ao longo da vida. Sobre quem escolhemos ser, onde moramos, o que co

O inferno somos nós

Eu sou difícil. Mimado, arrogante e temperamental. As mesmas qualidades que me garantem eficácia ao atirar comentários sarcásticos, são as mesmas balas perdidas que me atingem quando eu invariavelmente erro o alvo. Há quem defenda, ainda, a premissa de que eu nem deveria estar atirando, pra começar. Ou então, “ quem fala o que quer, ouve o que não quer ”. O que, por sua vez, explica porque também não ando falando com ninguém e, consequentemente, também justifica a paz que reina no meu grupo de WhatsApp mais bem sucedido: aquele que fiz para mim mesmo, para salvar links e coisas do tipo, alheio a qualquer participação popular.  Se Sartre estivesse vivo, “ o inferno são os outros ” seria a capa do seu grupo particular, enquanto todos os outros – com pensadores críticos e especialistas de outras abordagens – estariam silenciados por um ano.  Não me orgulho de ser difícil. Tampouco foi fácil admitir isso, com o passar dos anos. Depois de inúmeras brigas infames por motivos infantis

Os monstros entre nós

Um dragão intergaláctico com três cabeças, capaz de voar e soltar raios lazer pelas bocas, lutando contra um lagarto radioativo pré-histórico gigante, costumava significar diversão garantida pra mim. Mas durante a sessão de Godzilla 2 , eu não pude deixar de me sentir entediado – apesar das explosões e da extinção iminente da raça humana. Por mais absurdo que pareça, em meio à proposta do longa, tudo parecia muito... Fictício. Não porque existem animais e seres de outro mundo, de proporções imensas, hibernando por aí – e não, não vamos nem aderir a um “ou será que tem?” aqui. Talvez eu estivesse mais ocupado pensando em outros tipos de ameaça: os monstros que habitam entre nós.  Às vezes, eles invadem o trânsito, batem no seu carro e fogem ao som de risadas frenéticas. Vez por outra, disfarçam-se de amigos para roubar suas ideias e passa-las como deles. Ainda, há aqueles implantados em nossa própria família, cuja única razão para existir envolve reforçar o quão insuficiente você

A teoria do caos criativo

Acredite: há um processo criativo por trás de tudo que existe no mundo. Convenhamos que nem sempre são sucessos – às vezes as palavras erradas são usadas pra traduzir um sucesso americano, por exemplo. Mas somos guiados por regras, como base, e atingimos nosso ápice por meio das escolhas apresentadas por elas.  Judi Dench, em um dos seus papéis mais despercebidos pela crítica no meu filme favorito – Nine , a adaptação moderna do clássico musical de Frederico Fellini, 8 ½  – emoldura perfeitamente a essência do mundo, do cinema e, acidentalmente, da psicologia existencialista em uma única fala.  Diante da crise existencial de Guido (Daniel Day-Lewis) sobre como começar a trabalhar em seu novo filme, sua assistente/figurinista Lilli (Dench) é maternalmente curta e grossa: “Dirigir um filme é um trabalho muito superestimado; todos sabemos disso. Você só precisa dizer ‘sim’ ou ‘não’. O que mais você faz? Nada. ‘Maestro, isto deve ser vermelho?’ Sim. ‘Verde?’ Não. ‘Mais figuran

As pequenas coisas que vocês fazem juntos

Intimidade não é criada em um dia. Ao contrário da logística de uma comédia romântica, o amor da sua vida não irá cruzar seu caminho, de repente, ao tropeçar e derrubar um copo de café e um livro aos seus pés. E ao ajuda-la a levantar do chão, percebe que o livro caído é, na verdade, seu livro favorito. Após um momento de risadas constrangedoras, você aponta a coincidência literária entre vocês, que se estende até um convite para repor o café derramado e, eventualmente, um casamento primaveril. Não. A vida não funciona assim. Tampouco as pessoas transitam às pressas por aí, carregando cappuccinos e exemplares de “Um Conto de Duas Cidades”. É mais provável que você mesmo esbarre em alguém enquanto tenta caminhar e garimpar o Tinder ao mesmo tempo. E a pessoa em quem irá esbarrar, muito provavelmente, não será o amor da sua vida, mas alguém nervoso porque você não ter olhado para a frente. No entanto, eu costumava pensar que ainda poderia ser assim: repentino. Orientado pelos deus

O começo do fim

Apesar da aparente negação diária, este é um ano de desfecho em vários aspectos. É o fim de uma segunda, e sofrida, graduação. Sofrida, no sentido de energia envolvida num processo acadêmico longo e burocrático, em torno de mais uma capacitação a ser adicionada em meu currículo. Não me leve a mal – o novo diploma foi o que me trouxe até aqui, Forno do Iguaçu, que consegue ser árida até mesmo no inverno. Mas o que ainda não levei em conta, é o fato de que estes são os últimos meses. E ao contrário do questionamento que me motivou a arrumar as malas e agendar um caminhão de mudança, da última vez – “ E agora? Isso vai dar certo? ” – eu gosto de pensar que amadureci ao menos a ponto de reformular a pergunta: e depois? O que mais será que consigo fazer da vida? Certamente é o que todas as inscrições para concursos públicos têm arriscado responder. Mesmo sabendo que um ego inflado tende a infligir efeitos colaterais, é bom voltar a ter a sensação de que não há nada que eu não possa fa

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

O inverno do nosso descontentamento

Apesar do fim trágico – qualitativamente falando -, “ Game of Thrones ” deixou um legado para as próximas décadas, permeado pela célebre fase: “ o inverno está chegando ”. Não necessariamente redime o que aconteceu quando o inverno, de fato, chegou, mas a essência da antecipação é inerente a qualquer sucesso. É o mesmo motivo pelo qual as vésperas de Natal e Ano Novo são tão superiores aos dias seguintes: a expectativa do amanhã sempre se destaca diante das promessas que o dia de hoje cumpre – ou não. Seja como for, a imagem em especial também opera sobre um contraste atemporal – o inverno e suas familiaridades gélidas. Exceto no Brasil, que torna toda tradição que insiste em importar num inferno. Assim como tantas outras coisas, eu costumava gostar do inverno. Mas é como diz uma famosa fala que, na falta de um autor melhor para atribuir-lhe o crédito, prefiro dizer que é mesmo do Printerest:  “Você diz que ama a chuva, mas abre o guarda-chuva quando sai. Você diz que ama o sol