Sentimentos ás vezes parecem ser tão indecifráveis que, por um momento, parece impossível defini-los sem nos confundir ainda mais. Mas na primeira vez que a vi, eu tinha certeza do que estava sentindo.
O sol do meio-dia há pouco tempo tinha baixado e estávamos no meio de uma tarde de quarta-feira qualquer quando nossos caminhos se cruzaram. Foi um encontro tão inesperado, e num cenário tão ridículo, que tudo só parecia ainda mais surreal. Meu coração distraído não a viu chegar. Ela estava usando o uniforme do nosso colégio, assim como eu. Eu ainda o usava por preguiça; cheguei em casa e, antes de sair novamente, não senti necessidade de tirá-lo. Mesmo com as roupas de sempre, ela parecia diferente. E mal sabia eu que, ao retornar para casa, eu estaria diferente também.
Ela estava acompanhada por sua irmã, que reclamava constantemente sobre exatamente o fato de ter sido recrutada para ir com ela até a lotérica, já que o apartamento onde moravam ficava apenas a três quadras para baixo e não havia nenhum perigo aparente. Sua irmã também possuía um nome raro, incomum, do tipo que a maioria das pessoas erraria ao pronunciar pela primeira vez. Admito que também demorei algumas semanas para me acostumar; eu ouvira errado quando nos conhecemos.
Ao esperarmos por nossa vez para sermos atendidos, cada um com seu respectivo boleto nas mãos e o dinheiro para pagá-lo num dos bolsos da calça, três horas de conversa simplesmente fluíram no espaço de quinze minutos. No tempo de uma corriqueira fila de lotérica, nós havíamos descoberto milhões de coisas um sobre o outro. Parecia que nos conhecíamos intimamente há anos, e que há anos estávamos separados. Finalmente havíamos nos reencontrado, e os sorrisos eram constantes. Quando finalmente fomos atendidos, tanto eu quanto ela esquecemos o que tínhamos ido fazer ali. Ah, sim, pagar a fatura do mercado. Andamos lado a lado até a esquina que dividia nossos caminhos uma vez mais. Ela e a irmã atravessaram a rua, enquanto eu as observava ao lentamente tomar meu rumo. Mesmo sem vê-la chegar, meu coração sentiu um enorme peso quando nos despedimos. De repente, eu não queria mais ficar longe dela. Por que aquela fila tinha que terminar?
Três anos depois. Não moramos mais na mesma vizinhança, e eu já nem sei que caminho ela segue para voltar para casa. Tudo que sei é que, desde a primeira vez que a vi, eu sabia exatamente o que estava sentindo. Era amor.
Ainda é.
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