Eu costumava chorar bastante, especialmente quando estava sozinho. Ou me sentindo sozinho. Não tenho chorado muito ultimamente; isto é algo que acontecia mais quando eu estava no começo da minha adolescência turbulenta – jovem demais para dar conta das emoções que sentia, e fraco demais para conter lágrimas quando sentia a necessidade de derramá-las.
A primeira vez que chorei no ombro de alguém foi quando eu tinha 16 anos, e estava perdidamente apaixonado por uma garota que mal sabia da minha existência. E era amor, eu tinha certeza; ela era a mulher da minha vida, e estávamos destinados a ficar juntos. Eu só a conhecia há um mês, e diante de mais uma crise de ansiedade minha, meus amigos decidiram intervir e fazer com que eu confrontasse a terrível verdade: eu me apaixonava fácil demais. E eu chorei; chorei por ser tão ingênuo, tão fraco e tão sensível a ponto de querer entregar meu coração a alguém que claramente não demonstrava o mesmo interesse. Acho que foi a primeira vez que realmente chorei por um amor não correspondido.
A segunda vez em que realmente chorei de coração foi quando me mudei de Londrina, e me despedi de meus amigos, minha família e todo um mundo confortável e conhecido para tentar seguir uma nova etapa de vida, em uma terra desconhecida mas que de algum modo me atraiu através de promessas que eu mal esperava ver serem cumpridas. Isso foi o que me levou a chorar de novo, poucos meses depois, quando vi as promessas serem desfeitas e voltei da faculdade para passar a primeira noite em meu próprio apartamento após uma série de desventuras me forçaram a me tornar independente da família que eu confiei para me acolher. Por um tempo, eu também chorei todas as noites quando voltava para casa à noite. Chorava porque sabia que não havia ninguém lá para me receber, a não ser pelo meu próprio reflexo.
Quando as coisas pareciam estar melhorando, eu conheci outra garota. E ela era linda, inteligente e ridiculamente compatível comigo. A primeira conversa que tivemos estendeu-se por uma noite inteira, e foi apenas a primeira de muitas. Foi a primeira vez que eu senti que aquilo poderia ser amor de verdade, e não só sentimentos misturados e esparramados de um coração juvenil que não sabia lidar com tais emoções. E passávamos dias e noites juntos, envolvidos em conversas sem fim, caminhadas sem rumo e olhares sem medo de revelar um ao outro os segredos mais íntimos que cada um carregava consigo. Foi o que me levou a chorar mais do que nunca, quando ela se foi e eu me peguei chocado em descobrir que o que nós tínhamos não só não era real, como também não era para sempre. Foi na mesma época em que minha mãe veio me visitar pela primeira vez em Cascavel, e a primeira vez em que senti que meu apartamento vazio poderia se tornar um novo lar de verdade. Quando me despedi e voltei para casa, a solidão rapidamente voltou a mim, e uma vez mais arrancou mais lágrimas do que eu estava preparado para derramar.
Há certas ocasiões em que eu esperava chorar mas não chorei. Ocasiões como outros amores não correspondidos, mas que acabaram sendo menos significativos do que eu esperava. Ou talvez era eu quem estava tão acostumado com a rejeição, que já processava meu luto enquanto ainda estávamos juntos. Também houveram momentos de dor, muita dor, mas que não resultaram em lágrimas. Durante minha estadia em Cascavel, pessoas do meu passado em Londrina faleceram, e eu não pude me despedir como deveria. Infelizmente, não estar presente mais em momentos únicos como falecimentos, aniversários, casamentos, reuniões em família, tudo que um dia fez tanto parte de mim, agora tornaram-se dias que fugiam da rotina diária da minha solidão, que sempre se refazia no dia seguinte.
E então há momentos em que eu não esperava chorar, como aquela noite de quinta-feira durante uma aula tediosa que foi esquivada pela exibição de um filme. E quando eu menos esperava, lá estava eu; chorando silenciosamente no escuro, assim como vários outros colegas, por uma obra fictícia de cinema, mas não era exatamente por isso que meus olhos estavam vermelhos. Meus olhos estavam vermelhos porque aquele foi o momento em que eu percebi o quanto de mim eu havia perdido ao longo dos anos; o quanto a parte de mim que chorava sem motivo, ou até mesmo com motivos de sobra, havia sido desgastada a ponto de reprimir lágrimas que precisavam ser derramadas até mesmo quando não havia sentido.
E eu chorei bastante, como há anos não chorava. Chorei pelas coisas que não conseguia mais dizer, pelos sentimentos que havia desaprendido a lidar, e pelas pessoas que deixei ir embora sem ao menos dar-lhes uma explicação decente para o meu descaso, mas ninguém percebeu. Pois quando estava quase baixando a guarda, eu avisei a última garota que me fez chorar, e por um instante ela também olhou para mim, mas eu desviei antes que pudesse encará-la. E de repente, mostrar-me vulnerável, fraco e de olhos vermelhos para ela tornou-se inaceitável. E ao ouvir meus colegas chorarem e buscarem minha simpatia, eu apenas disse que estava tão comovido quanto eles, enquanto uma vez mais buscava enxugar minhas lágrimas antes mesmo que caíssem. E quando as luzes se acenderam e uma multidão de olhos vermelhos revelou-se diante de mim, eu estava tão firme quanto antes.
Eu saí correndo da sala em direção a rua para voltar para casa. E no caminho decidi então derramar as lágrimas que segurei, certo de que estava seguro ali. Mas quando eu finalmente estava seguro para chorar em paz, as lágrimas se foram. Eu estava bem de novo, mas de maneira bastante desconfortável. Foi aí que eu percebi algo que certamente não foi nem será a primeira vez que aprenderei; a vida é curta demais para esconder o que a gente realmente sente. E as lágrimas que escolhemos não derramar, podem ser na verdade a chave para a redenção que precisamos tanto para sermos livres. E o que me doeu mesmo foi não conseguir mais chorar naquela noite, mesmo me sentindo alagado por dentro.
Ao som de: One Hundred Tears Away – Vonda Shepard.
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