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Sinfonia da pedestrianização

Duas semanas atrás, eu voltei a caminhar. É algo que eu gosto de fazer no meu tempo livre quando eu chego no limite da criatividade do meu ócio e do meu IMC ideal, e durante o tédio inicial dessas férias tem sido uma verdadeira terapia anti-estresse ao fim do caos de cada dia. O plano é simples: ligam-se os fones de ouvido e desliga-se o mundo ao redor. A partir disso, basta sair por aí andando sempre adiante até cansar ou escurecer, para voltar para casa um pouco mais relaxado e, se eu tiver sorte, um pouco mais inspirado também. Mas nem sempre caminhar funcionou apenas como um hobby pra mim. Alguns anos atrás, caminhar era como eu me distanciava dos meus problemas - especialmente, aqueles do coração.

Tudo começou há uns cinco anos, quando eu acompanhava uma garota pela qual eu estava apaixonado para casa todo dia depois da aula. Era fora do meu caminho mas eu nem ligava, porque aquelas despedidas - apesar de platônicas - significavam tanto para mim que faziam valer a pena a bronca da mãe por chegar atrasado em casa. Um dia durante as férias de Julho, eu decidi ir à casa dela para vê-la mas ela não estava. A mãe dela disse que ela havia saído mas já voltava e que eu podia esperar ali mesmo, mas eu resolvi dar uma andada sem rumo para tentar controlar minha ansiedade. Foi quando eu descobri que nas ruas abaixo do prédio dela havia um parque com uma trilha de caminhada que levava em direção ao lago principal da cidade, e na ausência de algo melhor para fazer, eu resolvi seguir a trilha. E foi exatamente aonde eu a encontrei, acompanhada de seu namorado e alguns amigos. Encontrar aquilo em meu caminho foi um choque tão grande que eu simplesmente precisei sair andando o mais longe que eu pude para tentar esquecer ou fingir que não havia acontecido. Mas depois que as músicas tristes aleatórias pararam de tocar no mp3 e a minha mágoa passou, eu percebi que não só já estava no lago como já havia dado duas voltas inteiras, e nem estava tão cansado ainda. Quando voltei para casa, eu decidi que iria de novo no dia seguinte. Evitaria passar pela casa dela e as músicas dramáticas, mas ainda seguiria a mesma trilha. Foi algo que eu fiz até quase o último dia em que morei em Londrina; não na mesma trilha ou pensando na mesma garota, mas com a mesma determinação de sair andando por aí com esperança de que quanto mais eu andasse, e quanto mais longe eu fosse, cada vez mais eu também deixaria esses sentimentos para trás. E foi algo que realmente deu certo até mesmo em Cascavel por um tempo; isto é, até a Aline aparecer e ir embora.

Depois que a Aline foi embora, eu me lembrei dos primeiros dias de caminhada que eu fiz depois que eu encontrei meu primeiro amor na minha trilha, acompanhada de outra homem que ao seu ver era melhor do que eu, e decidi que talvez sair de casa de novo, mesmo que sem rumo, era exatamente o que eu precisava para dar um fim aos meus dias cinzas. Não foi fácil deixar a Aline pra trás; precisei ir muito mais longe por muito mais tempo, e com muito mais música do que eu imaginava, até que finalmente eu percebi que havia chego tão longe que até tinha me esquecido que estava caminhando para tentar fugir do meu coração. Isto é; até acontecer de novo.

Duas semanas atrás, eu ainda estava chateado com mais uma dessas situações que só eu mesmo consigo criar, e mais uma vez decidi que fugir era a solução. Mas depois de alguns dias de volta às ruas de Cascavel, eu percebi que não estava andando porque precisava esquecer meus sentimentos; eu estava caminhando em busca de novos. E então eu percebi que depois de anos, vários quilômetros e inúmeras trilhas sonoras, eu finalmente estava caminhando porque me faz bem. Porque me faz feliz sair por aí ao som das minhas músicas favoritas sem celular no bolso ou hora para voltar para casa, passando pelas ruas e pessoas de uma cidade que só agora eu realmente comecei a conhecer. E agora, quem diria, eu até tenho companhia para caminhar comigo. Foi assim que eu deixei meu passado de andanças não-correspondidas para trás e adentrei meu futuro andante em rumo à novos amores e novas distâncias, mas sempre com direito à trilha sonora.

Ao som de: Highway to Hell - AC/DC.

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