Às vezes
eu acho que escrevo mais do que deveria. Não me entenda errado;
eu falo bem mais do que eu deveria também, mas com a escrita é diferente. A
escrita envolve pensamento, planejamento... Não pode derramar algo em um papel
simplesmente sem filtrar nada daquilo antes. Você optou por aquela letra,
aquela palavra, aquela frase... O que torna a experiência definitivamente mais
significativa e, por isso mesmo, mais perigosa. E eu escrevo demais, sempre
escrevi, mas não consigo me imaginar vivendo de qualquer outro jeito. Prefiro
ter arrependimentos em forma de vírgulas e dois-pontos, do que morrer engasgado
com um ponto final fatal que poderia ter salvo a minha vida caso eu decidisse admiti-lo
não só em voz alta, mas em tinta também. Ou em manuscritos virtuais, já que é
assim que a vida tem funcionado ultimamente.
Foi exatamente este perigo, este risco
constante de ser pego desprevenido enquanto transcrevia o que deveria ser
apenas mais um período em uma composição ordinária, e descobrir que aquilo que
você achava que sentia era só a ponta do iceberg. Você pode descobrir muito
sobre si mesmo quando escreve, especialmente quando quem guia a ponta da caneta
é o seu coração. Quantas vezes você já respondeu uma mensagem a alguém, dizendo
que estava tudo bem, enquanto chorava do seu lado da tela? Palavras são
maravilhosas, mas também podem ser afiadas e até mesmo impossíveis de serem
retiradas depois que são libertadas ao mundo. Particularmente falando, eu não
as temo. Pelo contrário, na maioria das vezes até penso que tenho mesmo algum
poder sobre elas e o efeito que podem causar quando abro mão do meu raciocínio
para compartilhá-lo com qualquer leitor que se interessar pelo desafio de
tentar entender minhas neuroses, minhas fantasias, meus travessões.
O problema é que, depois de um tempo, as
palavras passaram a falhar comigo. Não por me ferirem ou me sabotarem de algum
modo, mas por serem mais capazes de me satisfazer como outrora conseguiam.
Palavras não eram mais o bastante para mim; era preciso viver, e descobrir de
uma vez por todas o que todas aquelas frases-prontas significavam, como “Eu estarei do seu lado”, “Acredite em mim” ou “Eu te amo”. Eu superei não só o meu
medo, mas a minha necessidade das palavras, e aprendi uma das já famosas lições
que toda pessoas vai aprender não uma nem duas, mas ao menos umas quinze vezes
nesta vida: palavras não importam tanto quanto ações. Falar é fácil, escrever é
lindo. Agora, quero ver mesmo sentir na pele.
Eventualmente, eu encontrei o meu caminho de
volta aos cadernos, à frescura pelas canetas certas para dar conta de tudo que
sentisse vontade de registrar em um papel, e aos súbitos olhares distantes no
meio de multidões que pareciam ocupadas com qualquer coisa exceto pelos
pequenos detalhes ao meu redor que só eu parecia capaz de perceber e até achar
bonito. Aquele vento forte batendo naquela árvore, não poderia significar a
nossa própria mortalidade sendo constantemente desafiada pela natureza? E
aquelas mãos dadas naquele casal atravessando a rua, poderia esconder meses ou
até anos de dificuldades de compromisso e superação de obstáculos até
finalmente encontrarem um conforto real e digno do amor em si para apoiarem-se
um no outro e serem capazes de andar, enfim, no mesmo ritmo? Talvez, com um bom
raciocínio, uma dose generosa de criatividade e as palavras certas. Nunca
subestime o poder de um escritor – ou até mesmo, o projeto cambaleante de um –
de encontrar literatura em qualquer coisa ao seu redor. Mas tudo isso só começa
mesmo com as palavras e a decisão de domá-las e transformá-las exatamente
naquele pensamento que você teve quando estava à toa ali, parado debaixo de
árvores e observando as pessoas ao seu redor. Parece simples, mas pode dar luz
à mil significados diferentes. Alguém pode me emprestar uma caneta decente?
No fim, eu preciso agradecer às palavras por
sempre terem sido tão misericordiosas comigo e pelos anos de colaboração que
tivemos sem exigir nada em troca a não ser uma bela moldura para os pensamentos
de uma mente neurótica, porém sensata que, com os cuidados e as conjugações
certas, poderiam deixar de ser vistos como transtornos e virar arte. Mas hoje
em dia é diferente; não vivo apenas com palavras, ou para as palavras. Vivo
para mim, e deixo que todos os contos que sentir a inspiração para dar vida
também, sejam consequências da minha existência neste mundo louco e
intransitivo. Porque apesar de fantásticas, nem tudo na vida são palavras. Porque
um “eu te amo” deve ser calculado,
repensado e revisto repetidas vezes antes de encontrar seu caminho rumo a um
pedaço de papel ou o ouvido de alguém. Mais vale andar de mãos dadas quando
atravessar a rua, porque se tem uma coisa que eu aprendi depois de anos
tentando encontrar as medidas certas para os meus sentimentos é isto: a vida é
mais do que palavras. É o que você faz com elas que conta.
Ao som de: More Than Words – Extreme.
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