31 de
Outubro de 2012. Eu me lembro exatamente de como aconteceu, o
começo do fim. Quando Charles Dickens escreveu “Um conto de duas cidades”, suas primeiras palavras foram, “Era o melhor dos tempos, era o pior dos
tempos, tínhamos nada a nossa frente, tínhamos tudo a nossa frente”. Um
leitor distraído e despreocupado diante deste começo em particular pode
realmente acreditar que Dickens estava se referindo a duas cidades, mas para as
mentes mais abertas e os olhos mais precisos – nós que também somos conhecidos
como sonhadores ou, pasmem, românticos – estes sim sabem que estamos falando de
algo muito maior e bem mais complexo. Exatamente, senhoras e senhores: estamos
falando de amor. E 31 de Outubro de 2012 foi a última vez em que me vi diante
de tal começo, com total consciência de que o fim também estava próximo. Mas o
que é o fim diante de algo tão mais fascinante quanto esperança acima de tudo?
Era o melhor dos tempos, era o pior dos
tempos, e começou como algo simples. Pensando bem, todas as coisas complicadas
um dia, nem que por apenas cinco segundos, também foram simples. E em vês de
deixá-las simples, nós tivemos que nos meter e ter a brilhante ideia de colocar
sentimentos no meio. Sentimentos que não precisavam estar ali, porque não eram
mútuos ou compartilhados. Ou até mesmo reais. Mas o que realmente aconteceu em
31 de Outubro de 2012 foi fatídico, porém ridiculamente pequeno. Foi decisivo,
e certamente marcou o tom daquele relacionamento logo no início. Logo vieram
outros tons – não foram cinquenta, como dizem ultimamente – mas em termos de
comparação, foram consideravelmente mais escuros. O que eu fiz, vocês devem
estar se perguntando... Nada demais, na verdade. Eu a convidei para sair.
Cinema. Quinta-feira à noite. O começo do fim, no formato de dois bilhetes para
a sessão das 21h. A maior ironia de todas? O filme era “Skyfall”. É, Igor. E não é que o céu desabou mesmo? Permita-se rir
disto agora ou melhor; transforme tudo em literatura. Faça da lembrança infeliz
e o gosto amargo que ela deixou, em algo um pouco mais agradável. Sabe, para
facilitar recontar a história.
Seu nome era... Desnecessário. Pelo menos
para mim, agora. Mas ela aceitou o convite e eu, no auge da minha ansiedade
contente, comprei os ingressos com antecedência. Eu e essa mania constante de
achar que as coisas vão dar certo... Como se comprar os ingressos na hora não
fosse trazer a mesma felicidade, mas aí não teríamos história para contar. O
que aconteceu foi que naquela noite o céu desabou mesmo, só que em forma de
água e trovões. E só parou quando já era tarde demais.; ela não tinha mais
carona, nem permitiu que eu a buscasse de alguma forma. Eu e essa outra mania
constante, de achar que as coisas vão dar certo enquanto eu continuo à pé. Quando
eu disse que esperaria por ela mesmo assim, ela se irritou e me pediu que não o
fizesse. Esta deveria ter sido a sua primeira pista, Igor. Ela pediu que você
não a esperasse, mas não. Eu esperei. Por cinco meses, na verdade, mas ela
nunca veio. Ela nunca foi minha, para que minha antecedência por dois ingressos
pudesse ser justificada. Este sou eu; o cara que espera incansavelmente, com
dois ingressos em mãos e um olhar cansado em direção ao horizonte de onde
ninguém nunca surge. Isto, e outras experiências mais, definitivamente me curou
da paranoia de ir ao cinema sozinho. Ou de viver sozinho às vezes.
No dia seguinte, eu fiz o inimaginável. Eu
dei a ela o canhoto de um dos ingressos, dizendo que já que havia comprado para
ela, parecia fazer sentido que ela guardasse. A souvenir de um primeiro
encontro que nunca aconteceu. A lembrança de um rascunho de uma história que
jamais foi escrita. Infelizmente, alguns contos – independente de quantas
cidades estão envolvidas – não podem ser escritos por só uma pessoa. Porque eu
me lembro desta noite como o começo do fim, você deve estar se perguntando.
Para saber ao certo, só estando no meu lado na época. Porque a partir do dia
seguinte, a maratona começou. A busca pelo inatingível tornou-se mais do que um
pensamento distante, e sim uma meta de vida. Uma vida que parou por cinco meses
para ficar para trás e comer poeira. Pelo menos hoje posso dizer que o nome
dela é mesmo desnecessário, assim, de coração. Todos os sinais estavam lá, mas
não. Eu queria assistir ao filme. Eu queria andar de mãos dadas. Eu queria não
estar sozinho quando o céu desabasse. Felizmente, eu não estava, senão como
poderia estar aqui, livre e levemente contente, para recontar cada vírgula com
orgulho? Orgulho porque, mais uma vez, eu amei e sobrevivi. E não recebemos
muitos elogios por isto. Vitoriosos são aqueles que conseguem encontrar o
caminho de volta para casa com dois bilhetes em mãos, depois de um cinema
sozinho.
Tínhamos tudo a nossa frente, tínhamos nada a
nossa frente. Eu não li “Um conto de duas
cidades”, provavelmente porque estava – e continuo – ocupado escrevendo
meus próprios contos, minha história. E talvez o motivo disto ainda seja
ansiedade contente por antecipação. Porque em dias mais felizes eu acordo com
uma sensação diferente pelo corpo, e um olhar diferente no espelho. Como se o
começo do fim deste filme solitário estivesse próximo, e em breve aquele outro
bilhete amassado deixaria de morar em meu bolso e passaria a ter dona e bolso
próprios. Mas apesar de não ter lido o livro, sempre considerei seu começo o
melhor de todos que já conheci. É, definitivamente, melhor do que os meus.
Eu sinto saudades de 31 de Outubro de 2012 às
vezes. Talvez seja por isso que, apesar daquele dia e daquela história terem
acabado, eu continuo aqui. Em busca de novos começos, enquanto o céu continua a
desabar. Este sou eu. Esperançoso, com os bilhetes em mãos, voltando para casa.
Ao
som de: Skyfall – Adele.
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