Eu já
me perdi muito nesta vida. Tantas vezes, aliás, que cheguei a
considerar a hipótese de que eu havia deixado de ser eu, e havia me tornado uma
versão abstrata de mim, ausente de fatores essenciais cujos quais eu sempre
considerei fundamentais para a pessoa que eu pensei que fosse. E foram nesses
momentos definitivos em que eu percebia o terror e a angústia de ter que
refazer meus passos e minhas decisões, com esperança de que assim seria capaz
de voltar ao meu lugar e a me sentir como eu mesmo de novo. Voltar a escrever
foi um pouco assim, isto é, se eu não me sentisse tão seguro agora para dizer
que depois de cambalear um pouco e esperar que a confusão inicial dos meus
pensamentos logo se ajeitasse de modo que fosse possível descrevê-los e
revê-los em forma de palavras – e até que não ficaram tão ruins.
Foram em momentos assustadores como a
primeira noite em que passei em meu primeiro apartamento, depois de sair de
casa e me deparar com a imensidão e a profundidade do mundo real, ou o primeiro
dia em que saí deste novo lar depois que vi um grande amor desaparecer diante
dos meus olhos, em que senti a mesma coisa: é preciso começar de novo agora.
Disseram que preciso seguir em frente, porque não tem como voltar atrás. Só
esqueceram de me dizer para onde eu deveria ir e o pior; que haveriam mais
curvas na estrada do que eu podia imaginar. Felizmente, eu recuperei meu fôlego
e segui adiante, e lentamente consegui enxergar novamente pequenos fragmentos
de mim que achava que jamais encontraria de novo, como a força para acreditar
no amor, a capacidade de ver o bem nas pessoas e ajudá-las sem medo de que
pudessem se esquecer de mim depois, ou até mesmo as músicas que costumava ouvir
pelas ruas com os fones de ouvido estourando melodias dentro de mim, trazendo
ritmo e graça às minhas fantasias e um pouco mais de esplendor aos meus sonhos.
Ah, sim. Até os meus sonhos voltaram, e eu até havia me esquecido o quanto
senti falta deles. Talvez a falta deles fosse o vazio que por tempos eu senti
dentro de mim, como se algum pedaço ainda estivesse faltando para recompor
minha personalidade de uma vez por todas. Pois eles voltaram, e o amanhã nunca
pareceu tão perto quanto agora.
Olhando em retrospectiva, talvez eu não tenha
me tornado tão bom em recomeços quanto eu gostaria de pensar. Existe uma
expressão em latim, sine qua non,
cuja tradução literal significa, “sem ao
qual não pode deixar de ser”, e talvez todas essas perdas e reencontros
comigo mesmo possam ser explicados assim: apesar de tudo, eu nunca realmente
deixei de ser quem eu sou. Porque se tivesse mesmo me ausentado, como poderia ter
encontrado o caminho de volta? Parece simplório dizer que as pessoas podem
deixar de ser quem são, mas vivi o bastante para concluir que algumas realmente
se perdem e jamais voltam – às vezes para nós, e às vezes para elas mesmas. Mas
quanto a mim, acho que sempre estive aqui mesmo durante os altos e baixos, os
recomeços e as crises existenciais que vieram com eles. Eu jamais poderia
deixar de existir se não fosse exatamente por todas as coisas que me trouxeram
de volta. Eu jamais parti; apenas perdi o fôlego por algumas partes do
caminho.
Escrever sempre foi o que me ajudou a não me
perder, pois quando as coisas lá fora pareciam tumultuadas ou rápidas demais
para que eu pudesse suportar, sempre foi muito útil ser capaz de procurar em meu
arquivos e históricos os temas que me permitiam espalhar meus pensamentos pelo
chão e reconstruí-los em forma de palavras. Sempre me considerei muito fiel às
palavras, porque sempre soube o quanto elas poderiam fazer por mim quando eu me
sentisse desamparado, até mesmo quando não eram as minhas próprias palavras. As
pessoas ao meu redor também sempre souberam como me amparar através das
vírgulas e travessões certos, e às vezes até sabiam bem melhor do que eu quando
era a hora de um ponto final definitivo em uma frase que já havia se estendido
demais, cujo significado parecia cada vez mais distante.
Então, este sou eu. Nem o velho Igor, nem o
novo; apenas o mesmo de sempre, que aprendeu a recomeçar, amadureceu a cabeça e
encontrou forças para continuar caminhando pelas ruas do mundo real, mas que
nunca deixou de ser quem é; o estudante torto porém esforçado, o amigo dedicado
porém preocupado, o filho mimado porém compreensivo, o apaixonado constante... Sem
todos estes fragmentos, músicas, lembranças e cicatrizes, eu não poderia ser
capaz de existir. Este sou eu, e sempre fui eu. Sine qua non por amor.
Ao som de: What I Did for Love – A Chorus Line.
incrivel!
ResponderExcluir"Somos mentes confusas em constante metamorfose"