Eu
não sei quanto a vocês, mas eu ouço muito repetirem
frases batidas por aí do tipo “cada
problema é uma oportunidade disfarçada” ou então “quando Deus fecha uma porta, ele abre uma janela”, mas a minha
favorita mesmo é “a necessidade é a mãe
de todas as invenções”. Claro que nenhuma dessas realmente evidencia o
silêncio gritante que só o desespero de estar no fundo do poço pode provocar em
alguém, e apesar de definitivamente não ter argumentos realistas o bastante
para reclamar da vida, me arrisco em dizer que já me senti muitas vezes
sobrecarregado de oportunidades, portas fechadas e necessidades urgentes. Vale
ressaltar que toda forma de sofrimento, por mais absurda ou incoerente que
pareça, ainda é real para quem o sente.
Bom, senhoras e senhores, eu me arrisco dizer
que sou um sobrevivente de várias oportunidades passadas, pentacampeão em pular
janelas quando as portas se trancavam, e pai orgulhoso de várias invenções para
escapar do fundo do poço. E o que sempre me ajudava a encontrar algum tipo de
corda para voltar à superfície é bem simples: quando se está no fundo do poço,
a única direção para a qual você pode ir é para cima. Qualquer coisa é lucro
quando não se tem mais nada a perder. E quando você se encontra com tamanho
desespero borbulhando dentro de si, mas sendo lentamente liberado através de
profundos suspiros, olhares perdidos e cinquenta tons de crises existenciais
liderando seus passos, é aí que as oportunidades começam a ficar interessantes.
Eis que do desespero e da necessidade, nascem
os planos mirabolantes para retornar ao mundo dos bem ajustados e equilibrados –
não que sejam muitos por aí, porque – digo por experiência – quando peço
conselhos às pessoas, às vezes fico em dúvida sobre o que é pior; meus
problemas ou as fontes às quais eu recorro para resolvê-los. É surpreendente o
quanto já procurei ajuda de pessoas que estavam perdidas em poços não tão
distantes do meu, mas que disfarçavam melhor sua claustrofobia flutuante e
pareciam mais elegantes em arquitetar pedidos de socorro sem atrair a atenção
de curiosos que tem mais prazer em apontar para os coitados ali afundados e dar
risada, invés de lhes atirar uma corda ou uma mão amiga para tirá-los dali.
É incrível o que o desespero pode fazer com
alguém. Além dos momentos de medo e dúvida, o que nasce em cada um que se sente
perdido demais para reencontrar seu caminho de volta para cima é um despertar
desenfreado de atitudes drásticas que pouco a pouco, começa a traçar sua
escalada de volta ao razoável equilíbrio ao qual nós nos contentamos em viver –
já que o equilíbrio em si é ótimo, mas nós sabemos que não dura mais de cinco
minutos consecutivos; o resto é sempre treta. E então você aprende a lidar com
as oportunidades, isto quando você mesmo não as cria e aproveita tudo que pode
delas. E decide que não nasceu para pular janelas e derruba as portas trancadas
que te impediam de seguir adiante, e digo por experiência própria que a
sensação de arrombamento e presenciar os parafusos da maçaneta voando por todos
os lados é uma das mais revigorantes que já tive até hoje, salvo lamber massa
de bolo direto da tigela e sentir cheiro de carro novo.
Acho que o que eu estou tentando dizer é que
eu ainda não desisti das coisas nem das pessoas. Eu me canso, de verdade, de
tudo e de todos que me cercam e não tenho vergonha de admitir que às vezes
preciso de dois ou três dias para me afundar em um cárcere privado de autoria
própria para recuperar meu fôlego e ser capaz de sair por aí de novo e ter
novas ideias sobre como voltar a me sentir como eu mesmo de novo. Minha preguiça
e senso de autodestruição são diretamente proporcionais com a determinação e o
bom humor que sinto logo em seguida, quando decido fazer a barba, abrir as
cortinas e sair para enfrentar o mundo de novo. Estive no fundo do poço e
sobrevivi, e conheço o caminho da escalada como a palma das minhas mãos
doloridas e cheias de farpas, mas tudo faz parte do aprendizado. Sobreviver não
é pra muitos; é uma habilidade que só aqueles que realmente sabem o que é não
ter mais nada a perder realmente significa conseguem aperfeiçoar e se tornarem
dignos de ouvirem os relatos de outras vítimas de soterramentos. E dão um
profundo suspiro e dizem com aquela voz cansada e dolorida de experiência e
leve falta de fôlego: “É foda mesmo”.
Mas ou você pega uma pá e tenta cavar um
túnel de volta à realidade, ou aceita se afundar. Só não vale reclamar dos
grãos de terra nos olhos; não é porque você está no fundo do poço que precisa
continuar nele. Continue respirando, arrombe uma porta, invente uma saída.
Sobreviventes poderiam ser os maiores artistas do mundo, se não estivessem tão
ocupados tentando recuperar o fôlego o tempo todo.
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