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Agonia e ex-tase


            Duas coisas que definitivamente não combinam: carência e tempo livre. Porque a combustão desses dois fatores só pode gerar uma das duas possibilidades: ou você acaba pensando em coisas que deveria esquecer, ou acaba fazendo coisas que você imediatamente vai se arrepender. E ambas as alternativas geralmente envolvem o mesmo alvo: a ex-namorada, ou a ex-ficante, ou a paixão platônica que você carrega consigo no bolso há anos, ou o reascender de qualquer outro relacionamento interditado da sua vida que, por um instante, você decide esquecer que foi interditado por medidas de segurança ou bom senso e resolve dar uma relembrada pelos velhos tempos. Ou pela falta de coisa melhor pra fazer.
            Se acabou, acabou por um motivo. Por um motivo maior do que vocês, maior do que as risadas que vocês compartilhavam, maior do que o prazer que os lábios dela te traziam. Pode parecer grosso – ou existencial, depende do cliente – da minha parte, mas é realmente tão simples assim. Mas todos nós fazemos e ninguém pode jogar a primeira pedra. Por que nós fazemos? Medo do novo, disfarçado de tédio que nasce do tempo livre, que se alimenta da carência e acaba te engolindo por inteiro se você ficar olhando para a chuva lá fora por muito tempo, achando que o clima frio é nublado é a melhor coisa do mundo. Eu sou o primeiro a defender todo o patrimônio que é o inverno, mas fugir do frio tem limite. Se esconder no familiar e ter medo do novo tem limite. E se você tiver muita, mas muita sorte mesmo e encontrar aquela ex online no Facebook, será ela quem irá te lembrar o motivo pelo qual você não está aproveitando o inverno abraçado com alguém.
            É natural se prender ao familiar, especialmente quando faz tanto frio lá fora e a chuva não perdoa – e a ex está sempre online ali, encarando você, questionando você, atraindo você e rindo da sua cara, tudo ao mesmo tempo, sem nem trocar duas palavras com você. De agora em diante eu jamais julgarei alguém de novo por procurar alguma ex-namorada para conseguir um colo para se esconder enquanto o inverno continua arrepiando a nossa pele e congelando o chão da nossa cozinha – lugar onde todo solteiro costuma visitar regularmente; na falta de alguém para amar, pelo menos faremos nossos estômagos felizes. Só não venha chorando para mim quando a primavera chegar e tudo ficar bem de novo, enquanto você tenta achar uma maneira de não afundar com o iceberg que um dia você chamou de “meu amor”.
            Deve haver um jeito melhor de lidar com a carência do inverno sem recorrer a antigas paixões ou cinquenta tons de pizza, e algo me diz que enfrentar o medo do novo é a resposta. Ou você enfrenta o frio lá fora e tenta conhecer alguém novo pra trazer para dentro de casa, ou esfria por dentro e espera pela primavera te salvar, já que tem tanto tempo livre assim.
            Ou pare de enrolação e análise funcional do desespero da sua existência, coloque uma blusa e vá escrever seu TCC que você ganha mais, Igor. Pode colocar uma música depressiva pra tocar enquanto isso, se te faz feliz.


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