Pular para o conteúdo principal

Algo novo


   Com nada para fazer a não ser investigar a profundidade do meu tédio existencial, eu decidi fazer o que qualquer homem normal faz quando fica sozinho em casa. Eu pedi uma pizza, claro. Na verdade eu tenho o que fazer e muito, por sinal. TCC, relatório de estágio, roupa pra passar. Pelo menos a barba anda em dia. Mas as coisas que nós temos que fazer e a urgência delas tendem a ser diretamente proporcionais ao trabalho e a chatice que elas acarretam. O que nos leva a fazer qualquer coisa, como pedir pizza e fingir que nada disso é com a gente.
   Eu gosto de ter o que fazer, e isso só perde para o prazer de ter muito o que fazer e resolver procrastinar em vês de produzir resultados. Ultimamente eu tentei me ocupar o máximo que pude para evitar cair no abismo que o meu tédio existencial costuma produzir, e é tudo muito útil e indispensável em teoria, mas na prática não passou de projetos e promessas vazias; coisa que eu também sou muito bom de fabricar.
   Na minha lista de afazeres estavam candidatar-me a um projeto de triagem estendida na minha faculdade, recomeçar a academia pela quarta vez nesta vida (“e levar a sério dessa vez!”), terminar pelo menos a parte teórica do meu TCC, escrever meu relatório bimestral de estágio, e rascunhar alguma ideia boa – ou razoável, não estou podendo escolher – para um livro e quem sabe com muita fé, esperança e enredo o suficiente, conceber uma história interessante o suficiente para ser publicada e – por que não? – me render alguma fama ou até mesmo apenas alguns trocados colaterais para pagar as contas.
   Parecia tudo muito promissor se não fosse por um detalhe: eu acabei ficando em casa mesmo pedindo pizza e assistindo filmes e maratonas de séries por dias. Sim, eu disse dias. E não me olhe assim; a chuva começou em Cascavel em 2009 e nunca mais parou. Que outra escolha eu tinha? É, eu poderia assumir responsabilidade pela falta dos meus atos em vês de colocar a culpa no clima úmido lá fora. Fácil pra você dizer; não é a sua roupa no varal que não seca nunca.
   Mas apesar dos meus planos – os teóricos, os fictícios e a pizza de verdade – ainda me faltava algo. Algo que eu não poderia planejar ou rascunhar, ou até mesmo prever. Me faltava vida. Eu não deveria reclamar. 2013 tem sido muito bom pra mim, até mesmo quando não foi. Pelo menos havia ação, emoção, movimento. Havia pessoas que eu não conhecia, lugares que eu ainda não tinha visitado, coisas que eu não tinha pensado em dizer ou fazer antes. Algo novo. Era disso que eu sentia falta. Já teve a sensação de que sua vida estagnou? Eu já. Especialmente aos fins de semana, esperando a parte boa do Sábado começar. Sabe, entre as quatro da tarde e as dez e meia da noite. Horário rico em tédio existencial e potencial suicida. E o que eu faço nesse horário geralmente? Tem sido uma matinê constante de pizza, filmes e maratonas de séries a cada novo fim de semana. De novo, que outra opção eu tinha com essa chuva e esse frio lá fora?
   Não. Não é de algo novo que eu sinto falta. É de alguém novo. E o nome disso não é tédio existencial; é saudade. E só tem um jeito de resolver isso: sair de casa e passar frio, mesmo debaixo de chuva. Pelo menos sentirei algo. Talvez não seja algo novo, mas é um começo. Eu gosto do inverno, mas convenhamos que não tá fácil.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha mela...

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ...

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento...