Eu fui pra rua.
Confesso que não sou a pessoa mais ativista que já existiu, ou até mesmo a mais
bem informada em... Bom, qualquer coisa. Não conheço muito sobre política, mas
até aí é proposital. Por incrível que pareça, não gosto de discutir nada que
leve a muita polêmica, porque meu coquetel pessoal de egocentrismo e instinto
de autodestruição sempre supera minha capacidade de ser humilde e aceitar a
opinião de outro ser humano. Mas apesar de tudo isso eu fui pra rua sim. Porque
existe algo de errado com este país e eu não concordo. Pronto, é isso. Não vou
questionar mais os motivos de mais ninguém sobre ter ido para as ruas se
ninguém invocar justificativas para os meus.
O protesto durou cerca de três horas e foi desde o calçadão de Cascavel
até a prefeitura, e depois voltamos à Catedral porque disseram-me que, em
termos de passeatas e manifestações, o point é ali mesmo. Choveu
incansavelmente durante todo o percurso, o que diminuiu o número de
participantes, mas quem foi deve levar o crédito. Porque a caminhada até lá não
foi fácil, mas se considerarmos o longo caminho que o Brasil teve que percorrer
para finalmente “acordar” como todos
dizem, alguns passos molhados que duraram minutos foi um preço baixo a se
pagar. E eu fui porque precisava ver com meus próprios olhos o povo reunido na
rua, lutando de alguma forma pelos seus direitos e querendo ser ouvido a todo
custo, porque o absurdo da nossa nacionalidade já havia passado dos limites há
muito tempo. Não, não foi por vinte centavos. Os vinte centavos foram a gota
d’água que transbordou o copo. Foi o estopim que anunciou a passeata. Foi o
aumento que nós como nação não estávamos dispostos a arcar para continuar da
mesma maneira que estávamos desde a última vez que exigiram mais de nós e em
troca nos deram menos da metade do que merecíamos. Menos da metade do que
nossos direitos constituem que deveríamos ter. E não foram só vinte centavos,
pra ser exato.
Mas quando me perguntaram qual era a minha causa, meu silêncio abobado
por fazer parte daquela multidão mudou de forma. Meu silencio passou a moldar
toda a minha alienação que, por mais que eu tentasse defender, faz parte
fundamental de mim e acho que isso infelizmente também é proposital. Eu não só
evitava discutir política; eu achava que não importava. E mesmo assim eu estava
ali, pegando carona debaixo dos guarda-chuvas dos meus amigos que, ao contrário
de mim, não precisaram buscar a definição do PEC 37 no Google antes de sair
marchando pela rua. Foi então que eu percebi exatamente não só o que eu estava
fazendo ali, mas o que eu estive fazendo ultimamente na minha vida
pré-protesto: nada. Me disseram que eu deveria ir pra rua e eu fui, assim como
me dizem que eu preciso pensar no futuro e chegar na hora no trabalho,
preferencialmente usando uniforme, e fazer a barba mais regularmente, além de
uma série de outros comandos com os quais eu me comprometi sem questionar, na
falta de um argumento convincente ou o temor de combater minha preguiça e mover
um músculo que fosse contra a maré. Naquele momento eu era como o Brasil: havia
algo errado comigo e era preciso fazer alguma coisa. Era preciso acordar,
mudar, e sair pra rua mesmo e tomar sérias providências.
Mesmo sem entender muito de política, eu me coloco contra as últimas
decisões que o governo superior ao meu pai e minha mãe tem tomado, e nem
precisei ler muito mais além da timeline
do meu Facebook: a teoria de uma “cura
gay”, a aprovação primária do Ato Médico, e até mesmo o PEC 37 (dentre
outros PEC, por sinal). Alienado ou não, mas seriamente desinformado, confesso
que fui pra rua porque apoiava mesmo aquele povo junto, lutando não só por
essas causas, mas muito mais. O passe livre para estudantes, a melhoria da
saúde pública, a necessidade de mais investimento na educação do país. Tudo,
definitivamente, mais importante do que um estádio novo que, pelo preço da
obra, terá preços ainda mais caros em cima dos ingressos para entrar nele. Não
é de um prédio que o país precisa agora. O país precisa de esperança. E se até
eu fui capaz de acordar, não deve demorar muito para as coisas começarem a se
acertar.
Brasil, eu e você precisamos fazer alguma coisa. Chega de esconder
sujeira debaixo do tapete em vês de arrumar a casa de verdade, ou de empurrar
as coisas com a barriga – volte para a academia, e dê um jeito de colocar esse
dinheiro – o nosso dinheiro – para trabalhar exatamente aonde deve, e não gaste
mais com supérfluos. Como se você tivesse mesmo dinheiro pra supérfluos – já
deu uma olhada no seu extrato do cartão da Renner,
Igor?
Enfim, o gigante acordou e ele não gostou do que encontrou. Talvez seja
muito discurso vindo de alguém que, até ontem, achava que tudo estava bem do
jeito que estava. Verás que um filho teu não foge a luta. Antes tarde do que
nunca, não é?
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