18 anos atrás, eu conheci alguém.
Eu jamais lembrarei o lugar ou o momento exato em que eu estava, ou até mesmo o
que eu estava fazendo. Talvez você se lembre, sua memória sempre foi mais
apurada do que a minha. Eu sempre me lembro das datas, mas não exatamente do
que aconteceu. Você sempre se lembra de cada detalhe, desde os inúteis até os
mais memoráveis, mas não consegue recordar em que dia do mês nós estamos. Exceto
por hoje, claro.
Mas nós nos conhecemos e nos tornamos amigos com base em absolutamente
nenhum critério realmente – nós estudávamos juntos na mesma sala, tínhamos a mesma
idade e a mesma altura, e provavelmente em algum ponto eu fiz algo estúpido ou
engraçado – ou quem sabe os dois, porque minhas tragédias sempre foram
naturalmente cômicas – e você deu risada. E provavelmente pensou que poderia
rir muito mais se continuasse andando comigo. E era legal ter alguém rindo das
minhas piadas mais estúpidas, ou dos meus erros mais estúpidos, porém cômicos.
Mas talvez um dia algo tenha dado errado e meus erros tenham cruzado a
fronteira das risadas e realmente se tornaram problemas, e foi aí que as coisas
ficaram sérias e começamos a crescer. E você decidiu que precisava me ajudar
com os meus problemas, se a gente quisesse chorar de rir de novo.
Com o passar do tempo começamos a esclarecer melhor nossos critérios
para rir juntos, além da nossa idade e altura. Ainda mais quando você se tornou
cada vez mais bem sucedido conforme amadureceu, e eu só cresci na altura mesmo.
E logo vieram outras pessoas, outras salas de aula, outros compromissos, outros
apartamentos (e mudanças, por sinal), outras mulheres além daquelas com as
quais sonhávamos estar um dia. Lembra de quando tirávamos o telefone do gancho
e subíamos até o telhado do meu prédio para comer salgadinhos e encher a cara
de suco enquanto aproveitávamos a vista lá de cima que, para nós, parecia ser o
ponto mais alto da cidade – do mundo que nós até então conhecíamos. E nos
imaginávamos com nossas mulheres e aos poucos fomos preenchendo outras lacunas
das nossas visões sobre o futuro. O que fazer depois do ensino fundamental? O
ensino médio ia ser tão difícil assim? E faculdade, trabalho, mais e mais compromissos.
Casamento, filhos, uma vida toda a nossa frente só esperando que a gente
crescesse para começar. E nos perguntamos se ainda seriamos amigos, porque nem
você sabia o que iria acontecer. Geralmente eu procurava você para ter as
respostas sobre tudo, porque você sempre foi o mais inteligente. Eu era o engraçado,
o criativo, o sem noção. O que, provavelmente, teve a ideia genial de subir no
telhado, pra começar... Mas deu certo, e ainda dá certo até hoje.
Porque hoje, 18 anos depois, já estamos na casa dos vinte-e-poucos. Você
já se formou, enquanto eu ainda faço o que posso. E temos responsabilidades,
faturas de contas com nossos nomes; coisa que costumava ser só dos nossos pais
- para nós elas eram só pedaços de papeis que não podíamos usar para desenhar.
Temos empregos e carteiras de motorista. Quer dizer, você tem. Mas com o seu
carro e o meu próprio apartamento, se estivéssemos na mesma cidade seriamos
invencíveis, com certeza. Como sempre fomos. Porque nem mesmo quando eu fui
embora, a gente precisou se despedir. Eu simplesmente fui, e volto quando
posso. E te ligo para pedir o desgraçado favor de acordar de madrugada para me
buscar na rodoviária.
O que eu quero dizer com tudo isso é que, pra falar a verdade, eu
sinceramente não vi esses 18 anos passarem. Às vezes ainda é como se aquele
pequeno apartamento onde eu e minha mãe morávamos ainda está lá a nossa
disposição, com aquele portão baixo e fácil de se pular quando alguém perdia a
chave. E com a porta para o telhado sempre destrancada, por que quem em sã
consciência iria querer subir lá? Nós subíamos para ver o futuro, para fugir da
rotina um pouco, para matar tempo durante uma tarde chata onde todos os
desenhos animados na televisão são reprises, e para questionar se ainda
seriamos amigos quando tudo aquilo passasse. 18 anos depois, acho que temos a
nossa resposta.
Feliz aniversário, meu amigo. Estamos semi-novos, meio ao nossos
vinte-e-poucos anos, gordos e levemente embriagados pelo tempo, pelo álcool e
pelas responsabilidades que nos alcançaram, mas ainda somos os mesmos. As duas
crianças que, sem nenhum critério nem pretensão nenhuma, durante uma manhã de
pré-escola há quase duas décadas, simplesmente se tornaram amigos e nunca mais
se separaram. Você é o irmão mais velho que eu sempre precisei, e o melhor
amigo que eu poderia ter.
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