Duas
semanas atrás, eu voltei para casa.
Pra falar bem a verdade eu nem sei mais qual dessas cidades é a minha casa – a que
eu nasci, a que eu cresci ou a que eu amadureci, mas para fins geográficos mais
apropriados vamos chamá-las de Cambé, Londrina e Cascavel, respectivamente.
Cambé é onde a mãe e a vó moram. É lá que meu antigo quarto fica, que está
sempre ao meu dispor quando eu consigo tirar alguns dias de folga da vida em
Cascavel para revirar tudo do avesso de novo. Para desarrumar os lençóis da
cama, tirar a velha rede do armário para pendurar os ganchos nada confiáveis
das paredes, carregar a televisão do quarto da mãe e o aparelho de DVD da sala
para a minha antiga escrivaninha (berço dos meus primeiros trabalhos como
autor, cartunista, colorista e estudante vagal de ensino médio), encostar a
porta que nunca fecha por causa do
peso-de-porta-feito-de-pano-da-década-de-oitenta que vovó sempre deixa ao
dispor para evitar que a porta bata por causa do vento quando a janela é
esquecida aberta, e simplesmente esqueço de toda a vida lá fora para me afundar
na nostalgia e conforto que só meu antigo quarto, do meu antigo apartamento, da
minha antiga cidade podem trazer.
E não pára por aí. Voltar para casa,
especialmente quando deixo Cascavel às pressas devido a crises (verídicas ou
existenciais) no meio da noite para amanhecer em meu velho mundo, é sempre uma
experiência muito proveitosa apesar de já ter construído uma rotina deveras
certeira ao longo dos anos. Depois de quatro anos de idas e voltas entre
Cascavel, Cambé e Londrina, e como estamos falando de mim e não uma pessoa
normal e equilibrada qualquer, era de se esperar que alguns rituais já
estivessem nos planos. Como ir à padaria na quadra do lado do condomínio da
vovó para comprar os piores salgadinhos já produzidos pelo homem (que tem gosto
de isopor colorido artificialmente com alaranjado-fandangos, mas são altamente
viciantes), um pote de sorvete crocante, alguns litros de coca-cola, um bolo
tradicional de fubá feito pela vovó, um pavê espetacularmente enfeitado pela mamãe
(ou qualquer outra sobremesa à escolha prévia de no mínimo 48 horas antes da
viagem) que só poderiam ser condecorados com o mais afrodisíaco de todos os
meus vícios – DVDs piratas com qualidade surpreendentemente boa (sempre com
menus semi-interativos e opções dubladas e legendadas dos filmes) à venda na
lan house que fica a uma quadra da padaria. Basicamente tudo em Cambé fica há
uma quadra de distância, exceto, claro, por Londrina e todo o resto da minha
vida que me espera quando faço minhas malas aqui e deixo um espaço extra vazio
somente para enchê-lo de souvenirs que sempre trago de lá.
Ir para casa é ótimo, e eu entendo todos os
meus amigos daqui que desaparecem durante os fins de semana para visitarem seus
pais, seus amigos de infância, seus quartos antigos e suas padarias há uma
quadra de casa. Todos são de cidades próximas de Cascavel que, ao contrário das
minhas, ficam há apenas uma hora ou duas (e dez reais ou vinte) de distância de
seus apartamentos de universitários solteiros que – acredite – ficam há uma
quadra da faculdade. Talvez tudo de bom na vida esteja há uma quadra de
distância, e eu nunca percebi isso antes porque estou ocupado sempre
percorrendo o mesmo caminho todo dia – isso quando não fico andando em círculos
sem fim e tenho a audácia de me sentir frustrado por nunca chegar a nenhum
lugar novo.
Particularmente falando, é difícil voltar
para casa e rechear meu quarto antigo com nostalgias crocantes e supérfluas,
mas quando consigo economizar o bastante para pagar as passagens é sempre
reconfortante estar de volta naquele condomínio que eu sempre desprezei
enquanto morava lá, que até hoje não tem internet ou sequer um computador (para
não falar mal da televisão a cabo que depende do humor dos deuses para
funcionar em dias chuvosos). É como uma reabilitação, com direito a bolo e pavê,
que me priva de novos vícios como Facebook, chafurdar por horas nos comentários
e eventos alheios, horas de divagações existenciais, TCC e relatórios atrasados
de estágio, para voltar às minhas raízes – ou, meus antigos vícios – que fizeram
parte da minha história bem antes dos meus novos amigos, meus grupos de apoio,
minhas aventuras alcoólicas e soberbas em meu apartamento de estudante solteiro
acontecerem. É como voltar no tempo para recuperar meu fôlego antes de embarcar
de volta para a correria e os compromissos da minha vida madura de solteiro
paupérrimo e medianamente engajado academicamente que eu levo em Cascavel. É
tudo muito bom e eu percebo hoje como a cidade em que eu nasci e a cidade em
que eu cresci, apesar dos meus amigos e DVDs disponíveis, foram fases boas
enquanto duraram e é preciso seguir em frente em Cascavel ou sabe-se lá aonde mais
eu vou parar depois daqui.
Mas de vez em quando é bom sentir aquela
vida simples de novo, com tudo de bom há uma quadra de distância, com o pavê da
mamãe e a bagunça do quarto antigo ao meu dispor. O apartamento parecia menor
do que eu me lembrava, mas acho que isso era de se esperar. O apartamento ainda
é o mesmo, mas eu cresci.
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Million Miles
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