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Eu que não amo você


            A verdade é que eu gosto de não ter tempo. Gosto de estar cheio de problemas, desde que a distância entre a resolução deles e eu seja apenas a minha preguiça de levantar da cadeira e tomar uma atitude. Gosto da correria, dos compromissos, de achar que as 24 horas de um dia é pouco tempo para resolver tudo o que eu preciso fazer. E no fim da tarde quando eu finalmente abro a porta do meu apartamento - repleto de sacolas de mercado em mãos, porque eu precisava passar no mercado quando saísse do trabalho que por acaso era caminho do banco que eu precisava ir pagar uma conta e também era na mesma direção da faculdade onde eu precisava colocar meus relatórios de estágio em dia – e percebo que venci a maratona que mais um dia da minha vida me proporcionou, eu realmente fico feliz por alguns minutos. Sabe, até perceber que eu preciso guardar as compras, tomar banho, lavar a louça do café da manhã que ficou para trás...
            Eu fico muito feliz pela minha vida, até minha vida me chamar para o trabalho novamente. E por que eu estou refletindo sobre isso agora? Eu deveria estar lá fora no mundo aproveitando meu fim de semana antes que a segunda-feira chegue e me obrigue a voltar a correr de novo, a não ser por um pequeno e crucial detalhe: eu estou cansado. E de vez em quando até eu preciso parar de responder às infames convenções sociais, ou até mesmo às minhas próprias expectativas a respeito do que um jovem de 21 anos deve fazer com sua vida depois de uma longa semana de estresse, deveres e encontros inesperados com remédios para gripe e descanso forçado, e admitir que já está tarde. Que assistir televisão no sofá da sala até não conseguir manter mais os olhos abertos pode ser justamente o que eu precisava fazer hoje. Que eu preciso desacelerar e recuperar o fôlego antes de sair de casa para voltar a responder à minha vida de novo. Mas acima de tudo isso, está na hora de admitir que não há nada de errado em ficar em casa, porque eu não acho que vou encontrar o amor da minha vida lá fora se eu sair hoje. E é isso, senhoras e senhores, que eu finalmente entendi.
            Por mais que eu queira dividir minha vida com alguém um dia, esta definitivamente não é mais uma meta quando eu saio de casa, ou quando eu decido o contrário. Sair por aí não é mais nenhuma missão de busca e esperança desenfreada, assim como ficar em casa para mim não significa mais um sinal de desistência ou depressão – a não ser que você consulte os novos e absurdos paradigmas do DSM-V. Eu não sei explicar ao certo como aconteceu; talvez eu tenha levado a sério a ideia de me concentrar em outras coisas enquanto o amor não aparecia, que agora eu simplesmente não tenho mais tempo ou até mesmo fôlego para aspirar por ele. Pelo menos, não do mesmo modo que eu costumava fazer – quatro anos atrás, quando amor era tudo que eu queria, mas jamais parecia conseguir encontrar.
            E essa mesma vida que eu amo tanto hoje, apesar de cansativa e fatigante, também consegue ser mais irônica do que eu. Quatro anos atrás, parecia que eu não conseguia despertar o amor de ninguém, e me cobrava muito por isso. Era algo que eu havia feito? Algo que eu deveria ter feito? Algo que faltava em mim? Tantas perguntas sem resposta que me roubavam o sono e a paz de espírito – coisas que hoje são roubadas de mim porque passo meu tempo preocupado em escrever TCC, ou pensando em como resolver problemas de trabalho, ou me lembrando repentinamente que ficou faltando o sabão em pó na compra do mercado. Quatro anos atrás, eu amei muito você, e morri muito por isto.
            Quatro anos depois, eu despertei amores por acidente. Amores que eu realmente pensei que gostaria de levar para o resto da vida, sem pensar por um instante que amor, por mais prazeroso que seja, ainda é pesado e maçante. Sentir o peso da responsabilidade pela felicidade de outra pessoa sobre os meus ombros foi pesado e maçante, e me fez perder o passo da caminhada. E me fez pensar se era isso mesmo que eu queria para mim. Pelo menos, aqui e agora; é isso mesmo? Quatro anos depois, eu ando muito sem tempo. Quatro anos depois, eu é que não amo você. E o fato de você não querer fazer parte da minha vida corrida e transtornada, sinceramente não me magoa. Infelizmente o que me mata hoje é que quando alguém realmente se dispõe a fazer parte da minha vida, eu sinceramente também não me comovo tanto.
            Como eu disse, eu estou cansado. E já está tão tarde. Quem sabe amanhã, ou daqui mais quatro anos? Vejamos o que acontece comigo até lá. Talvez eu aprenda a perdoar, e a dar uma milésima segunda chance para quem já me magoou mais do que podia, até eu finalmente desistir de me importar. Eu não sei. Quatro anos atrás, eu não tinha nada. Quer dizer, eu tinha amor para dar e vender, tinha tempo de sobra e um coração aberto para quem quisesse se candidatar para dividir sua vida comigo. Hoje eu tenho tudo: um apartamento para chamar de meu, boletos de contas com meu nome que estão honrosamente pagas, relatórios de estágio razoavelmente em dia, e amigos para comemorar tudo isso comigo no fim do dia. Bom, em alguns dias. Algumas noites eu preciso guardar para mim, para agradecer silenciosamente a tudo e a todos que me trouxeram até aqui. E para tentar achar graça no sarcasmo fino e afiado da vida, que me fez superar você de maneira tão sutil que eu nem havia percebido.
            Claro, era de se esperar. Eu ando muito ocupado.

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