Pular para o conteúdo principal

Na saúde e na doença



            Febre. Coriza. Dores no corpo. O ciclo vicioso da gripe me pegou de novo, o que era mesmo uma questão de tempo. Felizmente esta não é a primeira vez que esta cidadezinha do Oeste se afunda nas temperaturas abaixo de zero e me pega de surpresa, então já havia deixado cinquenta tons de antibióticos e anti-inflamatórios ao meu dispor quando meu corpo finalmente começasse a falhar e só o que me restasse fossem tentar esquentar um último copo de leite quente e procurar erros ortográficos na carta de despedida que eu deixaria estrategicamente em meu criado mudo quando minha guerra contra a influenza finalmente chegasse ao fim – ou, ao meu fim, pra ser mais exato.
            Ok, eu posso estar exagerando, mas o enjoo é real e meu rosto acabado não me deixa negar: olheiras assustadoramente lívidas obtidas através de noites mal-dormidas acompanhadas de tosse seca e delírios durante a madrugada agora mascaram a minha face, enquanto a vontade de viver se esvazia de mim lentamente conforme o vírus toma conta de mim ao me atirar ferozmente na minha cama do jeito menos divertido possível.
            Só que apesar do mal-estar, náusea, tontura e catarro que agora compõe a minha personalidade previamente aconchegante, eu não vejo estar tomando mais remédios por dia do que a minha avó de 77 anos como o pior de tudo. Como era de se esperar, foi um dos efeitos colaterais que me deixou ainda mais abatido: perder o controle da saúde do meu corpo, e todos os benefícios que provém disso.
            A verdade é que eu gosto de ter controle, por mais que eu me sinta aliviado por não ter tantas responsabilidades às vezes. Porque eu sei, bem no fundo, que se eu tomasse a direção dos deveres que me cercam, nada que qualquer outra pessoa fizesse seria bom o bastante para mim. Eu provavelmente acabaria rejeitando de cara qualquer opinião ou tentativa de colaboração para aprovar somente as minhas ideias, ou revisaria qualquer trabalho cooperativo sob a alegação de que isto não é bom o bastante, e que eu posso fazer melhor.
            Este é só um dos motivos pelo qual eu não sou um bom paciente, e de certa forma foi bom descobrir isso. Foi bom perceber exatamente o quanto eu gosto de ser um agente ativo nesta vida, capaz de realizar grandes feitos não só independentemente mas também através de trabalhos grupais – desde que esteja sob minha direção, é claro. Tudo isso pode parecer fragmentos de um insight deliciosamente milagroso, o que significa que algum dos comprimidos está finalmente fazendo efeito e eu estou prestes a deixar de me sentir um desperdício de massa humana para voltar à ativa e tomar o controle da minha vida de novo.
            Ou, claro, eu posso estar apenas delirando e talvez seja melhor ignorar tudo o que eu estou dizendo aqui. Independente do que for, eu me sinto melhor por ter levantado para escrever, mesmo que nada disso faça sentido. Até porque, me disseram que 25 de Julho é o Dia do Escritor. E que tipo de profissional eu seria se deixasse um nariz entupido me impedir de explorar as profundezas inescrupulosas e atualmente infectadas do meu ego, logo no meu dia?
            Eu gosto de ter controle sobre as coisas, e é algo que eu simplesmente tive que desenvolver depois de morar sozinho por muito tempo e ter sido forçado a aprender a cuidar de mim mesmo, na saúde e na doença, enquanto não havia ninguém mais por perto. Eu precisei ter remédios à mão e aprender a saber o que fazer em situações de emergência, porque há quatro anos quando me mudei para Cascavel e fui pego de surpresa pela primeira vez pela temperatura negativa, eu não tinha para quem ligar. Talvez em vez de explorar meu delírio febril, eu deveria agradecer pelos votos de melhoras que meus amigos me desejaram hoje e simplesmente deitar a cabeça no travesseiro e descansar com otimismo, porque o fim de semana me chama. Mas tudo bem. Só por hoje eu vou baixar a guarda a admitir que eu preciso relaxar enquanto os antibióticos tomam meu controle para variar um pouco.
            As palavras começaram a dançar na minha frente e o quarto está girando. Melhor eu voltar para a cama. Sem drama, nada de pânico. Diga a minha mãe que eu a amo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha mela...

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ...

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento...