Duas semanas depois, e a cidade continua a mesma. Todo
ano eu repito meu ritual pessoal de férias no meio do ano e abandono o clima
frio e o céu cinzento de uma Cascavel junina/julhina para me aventurar em uma
série de flashbacks e reencontros em uma terra tão, tão distante que a
geografia chama de Londrina, e que eu chamo de lar.
Mas apesar de repetir o trajeto todo
ano na mesma época, passar pelas ruas da minha infância e adolescência
apocalíptica e visitar os mesmos rostos conhecidos que deixei para trás há
quatro anos, agora com mais experiência em seus olhos e mais resistência em
seus fígados, as histórias raramente se repetem. Ficam os cenários, mas jamais
a monotonia. Pelo menos enquanto eu estiver por perto, mandando mensagens de
texto para os quatro cantos da Pequena Londres para avisar a todos os meus
amigos e parentes órfãos que eu tenho duas semanas de férias da realidade para
passar com eles, e cada dia é precioso demais para ser desperdiçado – mesmo recheando
minha mala de DVDs piratas que sempre foram irresistíveis para mim quando passo
pelas ofertas dos camelôs da cidade: cinco longas-metragens por dez reais, uma
peculiaridade da região.
Eu revi os amigos, os familiares, as
avenidas, os shoppings, os bares e toda a minha história de 17 anos a cada rua
que passei e a cada pessoa que cumprimentei que se lembrou de mim quando me viu
passar distraído, ocupado me perdendo na paisagem do centro da cidade e dos
prédios que cobrem parcialmente a vista do céu azul de dia frio, que desta vez
me recebeu apenas com a cor mesmo. Fez calor, mais do que eu esperava e menos
do que as blusas que levei poderiam fornecer a mim em caso de emergência, mas
foi uma surpresa boa. Nada contra Cascavel, os cinquenta tons de mini-municípios
que giram intrinsecamente ao seu redor, e seu clima sub-zero e amargo, mas eu
precisava de duas semanas longe dali, preferencialmente em um lugar ao sol.
E por um instante eu realmente me
esqueci da realidade, entre as refeições e as sonecas, e fui capaz de me
perceber como parte daquele CEP de novo, com todas aquelas pessoas ao meu redor
como algo comum e não tão raro como havia se tornado depois que fui embora. E
por um instante foi bom... Por duas semanas, para ser mais exato. A parte
curiosa do meu ritual anual de desintegração Cascavelense, também conhecido
como período de férias para os mais adeptos a termos menos neuróticos, é que é
muito bom enquanto dura, e estudos ao longo dos anos comprovam que duas semanas
é o limite.
Você pode fugir da realidade e se
perder no calor do sol por duas semanas, Igor, porque depois disso vem o
inevitável que você já conhece muito bem: o clima frio, o céu fechado, o TCC
atrasado, os incêndios que precisam ser apagados no trabalho, a pilha de roupa
para passar que você deixou pra trás, os cacos de vidro do copo que você
quebrou e que voaram para debaixo da estante da sala de estar que você prometeu
a si mesmo que iria catar quando voltasse, a conta de telefone que vence mês
que vem, e as novas pessoas da sua vida que estão bravas com você porque você
viajou e não manda notícias sobre como está – exceto pela quantidade alucinante
de check-ins que você aprendeu a fazer pelo celular.
Tudo isso compõe a minha realidade
agora, e a parte inevitável dela é que, depois de duas semanas ao sol, eu
realmente sinto falta do frio. Talvez não do frio em si, porque a minha pele se
acostumou com a atmosfera e meu corpo se acostumou com o peso das
responsabilidades de cuidar de uma casa, dar conta de um emprego e fazer jus à
faculdade que escolhi. Eu sinto saudade do meu novo lar, mesmo quando Londrina
ainda consegue fazer eu me sentir tão acolhido a cada nova visita.
É por tudo que Londrina fez e ainda
faz por mim que eu percebo que, definitivamente, lá não é mais o meu lugar. Eu
sou grato pela hospitalidade, mas isso só é possível hoje porque um dia eu
decidi que a cidade havia se tornado pequena demais para mim, e que eu
precisava engrossar a voz, dar passos mais largos e enfrentar o mundo lá fora –
e que bravo mundo novo mais selvagem e perigoso para eu me aventurar do que
Cascavel?
E então eu voltei para casa, com
mais roupa para passar, novos souvenirs para guardar na estante e a certeza de
que eu posso voltar quando eu quiser, porque minha velha cidade ainda estará lá
para mim. Eu amo Londrina, mas eu sinto muito. Talvez eu finalmente tenha me
adaptado ao clima frio, ou eu simplesmente goste mesmo de sofrer, mas agora eu
vivo em Cascavel. E eu senti a sua falta.
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