Eu
não me dou bem com crianças. Talvez isso seja em parte porque eu não gosto
delas, nem sei ao certo como lidar com elas. É difícil pra mim lidar
corretamente com um ser incapaz de reconhecer fraquezas, admitir erros e
negociar acordos, apesar de que já encontrei bastante gente por aí que passou
com honra ao mérito pela infância e mesmo assim não se tornaram os adultos mais
razoáveis de se relacionar.
Mas apesar das criaturas
sociavelmente consideradas como maduras com as quais eu ainda preciso tomar
cuidado com o que eu falo ou faço perto delas, crianças são o meu ponto fraco.
São choronas, carentes, mimadas, escandalosas e irritantes. E digo isso por
experiência própria, porque eu fui uma dessas crianças – senão a pior delas – e
até hoje ainda carrego comigo traços de traumas mal-resolvidos de infância
sobre não ter conseguido aquele brinquedo ou não ter aprendido a andar de
bicicleta ou a subir em uma árvore com sucesso. Mas antes dos traumas se
instalarem, eu aproveitei desde o éter até o ápice da minha infância complexada
e imatura por dez anos felizes. E então ela apareceu.
Eu nunca soube ao certo como lidar
com ela, o que estabeleceu o precedente para que todos os relacionamentos
futuros que eu fosse ter na vida com seres humanos entre 0 e 10 anos fossem
automaticamente disfuncionais. Porque quando eu a conheci, ela nem sabia falar
ainda e mesmo assim conseguia me estressar. Não por nada específico que a
bebezisse dela tivesse feito, mas porque daquele dia em diante eu não era mais
o foco das atenções do meu pai ou daquele lado da família. Porque a bebezisse
dela era mais nova que a minha e precisava de atenção e cuidado – coisas que uma
criança de 10 anos é incapaz de compreender que outros seres além dele também
precisam disso. E foi complicado por um tempo. Muito tempo, na verdade. Ok,
digamos que foram anos para que eu conseguisse estabelecer algum tipo de
contato diplomático entre ela e eu; algo que não acabasse em eventuais
beliscões e puxões de cabelo enquanto o pai não estava olhando.
Eu também nunca fui um bom exemplo.
Quando ela tinha dois anos, eu a ensinei a mostrar o dedo do meio para outros
motoristas enquanto o pai estivesse dirigindo. Parecia algo engraçado de se
ensinar para uma criança de dois anos, pelo menos para mim. Aos cinco anos, eu
a ensinei todos os palavrões possíveis que uma criança precisaria saber para
garantir sua sobrevivência moral dentro da escola, porque eu não queria que ela
fosse pega desprevenida por outros capetinhas da idade dela. Eu realmente
encarei isso como algo saudável: eu estava me importando com ela, desejando seu
bem estar e cuidando para que ela fosse bem sucedida logo no começo da sua vida
escolar.
Felizmente todos os maus exemplos,
que eu gostava de chamar de ensinamentos até então, foram bloqueados pelo pai e
sua exemplar educação para com seus filhos – salvo este que vos fala pois,
apesar de todo o cuidado gramaticalmente estético e surpreendente bom sendo,
sempre fui um rebelde natural acerca de algumas regras sociais como não
conversar na hora da missa, não fazer birra em supermercados e não fazer
caretas para adultos que eu não gostava. E então ela cresceu com o passar dos
anos ainda sob toda a minha má influência pairando sobre sua inocência, mas
isto nunca a comprometeu. Pelo contrário, ela cresceu e se tornou mais educada,
competente, diplomática, politicamente correta e até mesmo mais madura do que
eu, agora com 11 anos e já mostrando sinais primitivos de um grande senso de
humor irônico e sarcástico, e eu não poderia estar mais orgulhoso.
Eu não gosto de crianças, mas por
ela eu realmente tento. Eu faço o que posso, o que não posso e até o que não
quero por ela, talvez para compensar pelos primeiros anos de desavenças que
compartilhamos ou porque ela está começando a chegar em uma idade em que
finalmente podemos conversar e nos atacar de igual para igual, o que me anima
muito. E pelo menos uma vez a cada seis meses, eu faço questão de que ela tire
um dia da sua agenda social (que tem sido surpreendentemente muito mais movimentada
que a minha) para passar um tempo comigo. Para assistir filmes comigo, dividir
pizzas comigo, cantar comigo e me deixar tentar ser o melhor irmão mais velho
que eu posso ser para ela, porque ela merece isso.
Ela definitivamente fez por merecer,
por ter sido capaz de crescer diante da insensibilidade e preguiça e ainda sim
tornar-se o que eu tenho certeza de que será uma mulher incrível, inteligente,
engraçada e carismática, completa com toda a ironia e sarcasmo que eu jamais
poderia sonhar em ser capaz de ter. Porque eu não sou tão bom assim, mas algo
me diz que ela vai ser. Ela não vai levar desaforo para casa, mas não vai
desrespeitar ninguém para ter seus desejos atendidos. Ela vai se dar muito bem
na escola, no ensino médio e na faculdade que ela quiser – se ela quiser – sem
precisar mostrar nenhum dedo nem nenhuma palavra indelicada à alguém, porque o
caráter dela supera todas as insensibilidades possíveis, especialmente as
minhas.
Ela vai ser incrível e eu considero
isso uma vitória, que por acaso é o nome dela.
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