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As pequenas coisas


            Mais vezes do que eu deveria, eu fico dividido entre fazer o que eu acho que deveria ou o que eu realmente gostaria de fazer. O mesmo vale para pessoas: eu me divido entre as pessoas com quem eu posso contar de verdade, e os figurantes com os quais eu até gosto de passar tempo porque me divertem e nós ficamos bem em fotos, mas que definitivamente desaparecerão da minha vida em questão de alguns finais de semana.
            Porque a sobriedade, além do desespero silencioso, a frustração e as crises de abstinência, despertou em mim também uma sede ainda maior do que por cerveja, mas pela profundidade das pessoas ao meu redor e as coisas que fazemos juntos. As conversas na sacada, os jantares antes da aula, as mensagens que trocamos para combinar de nos ver. As pequenas coisas que fazemos juntos de repente precisaram se tornar mais profundas do que um copo de cerveja para me satisfazer ultimamente, e nem tudo que antes me agradava agora desce tão redondo.
            Eu não sinto falta da vodka. Eu sinto falta de quem estava ao meu redor enquanto eu bebia. Das conversas sem nexo, das torcidas que se organizavam durante os nossos campeonatos de jogos de tequila, da espontaneidade que o chopp despertava em nós, dos lanches pós-balada na madrugada. E o que realmente me assusta é pensar se o que nos unia não eram as pequenas coisas e sim as grandes doses.
            E foi assim que muita gente desapareceu. Mentira. Mas foi assim que eu desapareci para muita gente. Porque a conversa só era boa mesmo quando estávamos em uma mesa de bar. Porque passar noites em claro disputando quem aguentava metabolizar mais uísque com energético sem passar mal. E quando de repente subtraiu-se o álcool da nossa equação, nós deixamos de existir. Quem ficou, ficou, e eu agradeço por isso. Quem não ficou, eu entendo.
            Só que quando eu digo que eu me sinto dividido, é porque a verdade é que eu realmente não quero deixar vocês irem. Não quero admitir que a vida mudou, que nós temos relatórios, TCC, compromissos, relacionamentos, louça pra lavar, e nossas agendas não são mais tão livres assim. Tem sido difícil arrumar tempo e a gente cansa. E o que a gente faz quando cansa? Espera alguém sentir a nossa falta, correr atrás, procurar descobrir o que aconteceu com a gente. E isso seria muito eficaz se todo mundo não fizesse exatamente a mesma coisa.
            O que eu realmente gostaria é que tudo fosse como antes. Que a gente continuasse juntos, rindo, descontraindo, abstraindo, bebendo, fumando e aproveitando como se a vida fosse um punhado de Sábados à noite: repletos de safadeza e possibilidades no ar, onde tudo é possível e nada pode nos deter. Mas as coisas mudaram. Eu não posso beber por enquanto. Fulano não pode sair porque está ocupado com o trabalho. Ciclano está com problemas com a namorada e perdeu um pouco daquele ânimo todo. Beltrano só está livre nos fins de semana. E assim a gente tem levado: em vês de estar rindo, estamos só adiando. Isso me assusta.
            A culpa não é do álcool. Isto é, da falta dele. No entanto, mais do que nunca eu percebo agora quem eu vou levar comigo desses dias ruins até os bons voltarem, e quem eu eventualmente vou parar de cumprimentar quando encontrar na rua porque já nem fazemos mais questão disso. Eu só acho que, não importa o que aconteça, nós não podemos perder as pequenas coisas que fizemos juntos um dia e que nos motivaram a continuar nos encontrando desde então. As conversas, as risadas, os abraços, os sorrisos, os conselhos e até mesmo as lágrimas.
            Independente da onde estávamos, ou quem mais estava com a gente, ou até mesmo o que estávamos fazendo na hora, o que realmente importa é que estávamos juntos. Pelo menos é disso que eu me lembro, e é disso que eu sinto falta.
            Eu queria que você estivesse aqui, mas se tem uma coisa que eu aprendi nesses últimos meses é que não depende só de mim. E quem sou eu pra querer você aqui, se você não quer ficar? Então vai. A gente se vê por aí.

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