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Patriarcado


Se tem uma coisa que eu ouvi repetidamente a vida inteira, é o quanto eu sou igual a você. Particularmente falando, eu realmente nunca vi a semelhança. Nem no nariz, ou no jeito de olhar as horas no relógio, ou as camisas parecidas, ou os cabelos brancos precoces que herdamos do vovô. Para mim nós sempre fomos diferentes; você sempre foi rígido enquanto eu parecia mais relaxado, e em todos os sentidos possíveis. Você sempre deu o melhor de si, honrou seus compromissos, cumpriu seus horários. Sempre foi apaixonado pelo trabalho, pela importância da família, música boa e bebidas requintadas. Eu era um largado, um adolescente preguiçoso e gordo que nunca viu seu reflexo quando me olhava no espelho. Não me imaginava trabalhando, nem comprometido com horários ou causas muito nobres, e só via a família aos domingos quando era conveniente ou educadamente obrigado a comparecer aos almoços tradicionais que se alternavam entre as casas das tias e a do vovô. Eu definitivamente não era igual a você, ou pelo menos era o que eu pensava.
            Aí eu cresci, amadureci, fiz minhas malas e me mudei para a sua cidade. E quando nossas diferenças se aproximaram demais, nenhum de nós deu conta das consequências e decidiu-se que seria melhor se cada um tivesse o seu teto. O que aconteceu foi que cada um ficou em uma parte da cidade, mundos de distância um do outro, e nem mesmo os domingos se salvaram. Mas com a distância veio a adaptação, e com ela veio a inevitável aceitação. Você não estava mais tão perto assim, mas de repente começou a aparecer em meu espelho conforme eu comecei a seguir seus passos enquanto acreditava que estava perdido na vida. E comecei a perceber o quanto trabalhar era bom, além de necessário, para que um homem construísse o seu caráter e o seu legado. Percebi que havia sim diferença entre um vinho tinto suave qualquer e um Cabernet Sauvignon da safra de 2008, que pagar contas em dia e não dever nada a ninguém é o maior sentimento de independência e integridade que se pode ter, e que honestidade é a chave de qualquer relacionamento.
            Aos poucos eu aprendi tudo o que você tentou me ensinar há anos, enquanto eu estava ocupado sendo teimoso, orgulhoso e gordo. Foi quando eu me vi, bem longe da sua rigidez, repetindo os mesmos padrões sob os quais eu havia crescido. Dizendo aos amigos que eles eram preguiçosos demais e que eles eram capazes de muito mais do que eles imaginavam, apesar do tom agressivo das minhas palavras. Dizendo às pessoas que elas deveriam ser honestas e íntegras consigo mesmas se quisessem alcançar as suas metas. Dizendo a mim mesmo, depois de um longo dia de trabalho, estresse e cansaço físico e emocional, que tudo aquilo valeu a pena e que eu precisava dormir cedo porque amanhã começa tudo de novo. E então eu finalmente percebi o que me disseram a vida inteira: eu sou igual a você. Rígido, porém íntegro. Trabalhador, porém otimista. Agressivo, porém carinhoso. Sério, porém esperançoso. Cansado, porém feliz.
            Se tem outra coisa que eu ouvi repetidamente a vida inteira, é que todo ano nesta data quando eu tento descobrir com o que eu poderia te presentear, você simplesmente abaixa a cabeça e diz, “Eu quero paz, filho. É só isso que eu quero...” Particularmente falando, eu realmente nunca entendi e sempre acabava me voltando aos clichês de camisas e gravatas. Mas hoje eu entendo. Eu realmente entendo qual é a paz pela qual você sempre rezou, assim como entendo todas as lições que você tentou me ensinar, os conselhos que você julgou que eram corretos, as palavras duras que você jogou em mim porque eu precisava ouvi-las, e tudo que você fez por mim até hoje até mesmo quando não podia estar por perto. E o que eu sinto hoje não é mais frustração por ser diferente, mas orgulho por ser igual a você. O herói, o profissional, o homem de caráter e integridade inabaláveis, o eterno esperançoso e otimista, e definitivamente o melhor pai do mundo. E além de um presente infame, só o que eu posso te dar hoje é o que você lutou por anos para que eu entendesse: admitir que você sempre esteve certo.
            Eu te amo, pai. É um orgulho ser igual a você.

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