Eu
nunca mais fui o mesmo
depois que aprendi a precisar das pessoas. Depois que aprendi a deixar a porta
de casa destrancada para que os amigos entrassem sem bater e a abrir a
geladeira para ver se tinha cerveja antes de chegar até à minha cadeira cativa
na sacada para me cumprimentar. E eu realmente me senti com muita sorte por
isso; por ter pessoas na minha vida que não possuem absolutamente nenhuma
necessidade de me cobrar ou dar satisfações, mas que querem compartilhar suas
vidas comigo mesmo assim e que se importam quando eu, logo eu que falo demais,
deixo algumas piadas óbvias passarem batidas porque não estou no clima.
Eu percebi que precisava das pessoas
quando meus problemas deixaram de ter cara de problemas. Quando algo de ruim
acontece, só o que eu consigo pensar é o melhor amigo que poderia me ajudar a
lidar com isso ou, no meu caso, quando meu grupo de apoio pode se reunir para discutir o
assunto. Eu percebi que não estava mais sozinho quando mesmo durante os meus
momentos mais solitários, havia alguém do meu lado me consolando. E é por isso
que tem sido tão difícil. Mesmo depois de tanto tempo e tantas histórias
juntos, eu ainda não sei admitir que eu preciso das pessoas. Que eu preciso de
ajuda, de um conselho, ou só ser ouvido por alguém. Admitir que, por incrível
que pareça, eu não dou conta dessa vida sozinho. E nem deveria porque eu
realmente não vivo sozinho, mas a sensação de autossuficiência consegue ser
maior do que o meu instinto de autopreservação às vezes, o que me faz preferir
falhar em particular do que vencer em parceria. Como se precisar de alguém
fosse algo ruim, diminutivo, humilhante. Como se eu precisasse ser tão bom
quanto eu imagino que deveria ser a ponto de não precisar de ninguém, e ter as
pessoas apenas para lazer e amostras do meu potencial.
Mas eu preciso das pessoas e isso me
assusta. Porque precisar de alguém não necessariamente significa que ela
precisa de você. Ela pode ir embora, e aí o que você vai fazer? Vai se
disfarçar para segui-la na rua? Vai criar um perfil falso para não perder
contato com ela? A importância que você dá para alguém não te garante o mesmo
reconhecimento por ela, e é difícil admitir isso quando se está na posição mais
“passiva” da colaboração. Isto é, como se precisar de ajuda me tornasse alguém
mais necessitado do que quem é capaz de me ajudar. Como se eu não fosse o
melhor em tudo. E aí veio o antibiótico para acabar com tudo que eu acreditava.
A isotretinoína é um fármaco utilizado pela medicina no tratamento do
acne severa ou da rosácea comercializado no Brasil normalmente com o nome Roacutan. O tratamento dura em média
seis meses durante o qual o paciente deve ingerir diariamente três comprimidos
de uma vez, preferencialmente após uma refeição. Efeitos colaterais podem
incluir dores de cabeça, azia, ressecamento labial, sangramento nasal, dores
musculares, hipersensibilidade da pele, complicações respiratórias, diminuição
da imunoresistência e, em alguns casos, sintomas de depressão. O paciente deve
atentar-se a cuidados como uso constante de protetor solar, alimentação regular
e a proibição de bebidas alcoólicas durante o tratamento, visto que o fármaco
atua no metabolismo do fígado.
Estes foram os avisos da
dermatologista antes de escrever meu nome em uma receita médica de papel azul,
que parecia algo ultra perigoso quando a levei à farmácia para comprar minhas
primeiras três caixas de antibióticos para passar o primeiro mês do tratamento.
Disse que eu poderia procurá-la caso ocorressem imprevistos como efeitos
colaterais muito fortes ou dúvidas a respeito do processo de ação do remédio,
deixando claro também que seria necessário uma visita por mês enquanto durasse
o tratamento para prescrever uma nova receita e verificar o progresso do
fármaco na minha pele.
O primeiro mês foi fácil porque eu
não estava aqui; estava em Londrina visitando familiares, enquanto fugia de
tudo que me é familiar aqui e agora. E voltar não foi fácil, porque eu não
voltei inteiro. Parte de mim estava faltando agora, porque estava em
tratamento. A parte de mim que me fazia sentir o melhor do mundo, superior a
todos e capaz de tudo, foi descaradamente abafada pela necessidade de tomar
três antibióticos por dia para tratar algo que eu neguei por anos que fosse uma
deficiência – por mais abstrata e estética que ela fosse. E quando eu
finalmente admiti derrota e me juntei ao mundo dos mortais que precisam tomar
remédios para ficarem mais saudáveis, eu também tive que admitir que ia precisar
das pessoas mais do que nunca, o que mostrou-se ser o efeito colateral mais
assustador de todos.
Foi uma coincidência de
compromissos, desencontros e desgastes que nos afastaram, nada proposital. E
nós ficamos cansados, exaustos, insones. No começo eu entendi porque parecia
ser só uma fase ruim, até minha fase de negação terminar e o desespero tomar
conta. O tratamento colocou minha vida alcoolicamente desenfreada em pausa, e
agora o que me restava fazer enquanto todo mundo continuava esperando ansiosamente
pelo fim de semana? Eu tentei ficar feliz por vocês e por um tempo eu consegui,
mas fui vencido pelo cansaço.
Leiam bem porque vai ser muito
difícil para mim agora repetir isso, mas eu não estou bem. Eu não dou conta de
tudo sozinho. Eu preciso de ajuda. Eu preciso de vocês. Eu sinceramente não sei
se vocês ainda vão estar aqui em quatro meses e meio, porque a vida de vocês
continua enquanto a minha estagnou-se. Eu não achei que isso poderia me
definir, mas parece que define as coisas que nos uniam. Eu tenho medo de perder
vocês, de que esse tratamento seja em vão, de que nada mais será como antes. E
eu gosto dessa vida de portas destrancadas com visitas inesperadas que não tem
hora para ir embora. Engraçado como ninguém próximo de mim realmente se incomodou
com a minha pele, e agora eu sinto que coloquei tudo e todos a perder por ela.
Apesar do progresso de um mês e meio, definitivamente não tem sido bom estar na
minha pele agora.
Ninguém disse que seria fácil, mas
serviu para me ajudar a admitir que eu preciso de vocês. E acho que o
tratamento por isso só já foi bem sucedido.
Mentira, eu quero ficar bonito. Mas
não se esqueçam de mim.
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