Oito
anos atrás, um garoto
de Londrina viajou para a casa do seu pai em Cascavel para passar as férias de
Janeiro. Ele tinha 14 anos, era tímido e não tinha o hábito de fazer amizades ou
de lidar muito bem com mudanças, apesar de ter uma alma brincalhona e ingênua
até demais para quem deveria estar começando a perceber as segundas intenções
que a vida tende a inspirar em nós.
Mas ele tinha sonhos, aspirações,
talentos escondidos, uma vontade de conhecer o mundo tão grande quanto o seu
medo de sair para desvendá-lo. Era iludido, porém contente. Era ridiculamente
imperfeito, mas mesmo assim era capaz de viver bem e pedir ajuda quando não se
sentia bem ou confiante sobre o que fazer diante de algum problema. E apesar de
todos os problemas e as lágrimas que já havia derramado, mesmo com poucos anos
de vida e experiência para realmente compreender o que era dor, saudade e amor
não correspondido, ele era feliz.
Sua
maior dificuldade era a ansiedade; a inquietação pelo futuro. Pelo que estava
reservado para ele no horizonte, na estrada adiante na qual ele tentava sempre
prever a ponto de ficar na ponta dos pés para tentar avistar alguma pista do
que iria acontecer com ele quando crescesse. Ele adorava paisagens. Acreditava
que se as observasse a ponto de perceber a paz e a imensidão que expressavam,
ao mesmo tempo em que diminuíam sua própria existência, ele compreenderia que
toda a felicidade do mundo estava reservada para ele, mas que ela estava sempre
há um dia de distância.
Foi por isso que durante uma tarde
de Domingo, ele se pegou observando o céu azul enquanto estava apoiado na
sacada da casa do seu pai, naquela cidade em que ele não conhecia nada nem
ninguém, e teve um pensamento que nunca tivera antes: não importa o que estava
por vir, ele iria adorar o amanhã.
Oito
anos depois, o garoto viu seu reflexo no espelho e se surpreendeu com o que
viu. Ou mais precisamente, com o que não viu. Oito anos depois, ele não se via
mais ali. Quem estava ali era outra pessoa; outra pessoa que ele nunca pensou
que iria se tornar quando crescesse. Outra pessoa que ele jamais enxergou
quando tentava avistar o limite do horizonte. Outra pessoa terminalmente
cansada, ridiculamente racional e profundamente desiludida.
Se o garoto pudesse mandar uma
mensagem ao homem que ele viu no espelho, sem dúvida alguma o recado diria: “O que aconteceu com você? Quem tirou o
otimismo dos seus olhos? Quando foi que você desistiu de reparar o seu coração
partido? Por que não olha mais para o horizonte?”. E se o homem no espelho
pudesse respondê-lo, ele diria: “Ninguém
tirou o otimismo dos meus olhos, mas eu precisei aprender a ser realista e
aceitar o fato de que o horizonte tem limite. Meu coração não está totalmente
partido, mas certamente não está tão aberto e confiante quanto foi um dia,
quanto o seu costumava ser. Eu não parei de olhar para o horizonte, mas chega a
hora em que você precisa se focar mais para o que está à sua frente e não o que
está acima de você. Quando as pessoas, os compromissos e a vida não me chamam,
pode ter certeza que eu ainda me perco nas nuvens e nas estrelas. Muita coisa
aconteceu comigo. Muitas mudanças, pessoas que disseram que estariam aqui pra
sempre e que se foram e outras de quem eu não esperava nada e de repente se
aconchegaram do meu lado e aqui estão até agora. Alguns se foram, outros eu
segurei comigo. Conheci muitos lugares, viajei bastante, vivenciei muito que
aconteceu nesse mundo, oito anos depois que você se perdeu na vista daquela
sacada. E não só descobri o que os céus haviam reservado para nós, como
confesso que ainda acredito que tem muito mais por vir do que você já foi capaz
de sonhar, e do que eu sou capaz de imaginar. Você não se perdeu, por mais que
esse seja o seu maior medo, e confesso que ainda é o meu. Pelo contrário; você
ainda está aqui, dentro de mim. Sua barba cresceu, sua voz engrossou, seu olhar
diminuiu e seu corpo não aguenta mais correr solto pela vida incansavelmente e
inconsequentemente como já fez um dia. Mas você ainda é parte de mim, e nós
ficaremos bem. Não se assuste com as mudanças, seja grato por elas. Nada é para
sempre e o mundo continuou girando, mas o horizonte ainda está ali, prometendo
a felicidade de uma vida inteira para nós e nos desafiando a enfrentar um dia
após o outro se quisermos mesmo alcançá-la. Oito anos atrás, você disse a si
mesmo que iria adorar o amanhã. Oito anos depois, eu continuo perdidamente
apaixonado pela sensação de deitar a cabeça no travesseiro e tentar aquietar a
ansiedade que me consome enquanto minhas dúvidas se silenciam e meus sonhos
tomam conta novamente.”
Naquele
dia, o garoto enxugou as lágrimas dos olhos e deu mais uma olhada no espelho. E
ao contrário do homem solitário e triste que havia visto antes, ele viu a si
mesmo. Completo com todas as mudanças que o tempo trouxe, os anos que ganhou,
as olheiras que agora fazem parte dele, o sorriso encoberto que sempre lhe foi
característico, e a felicidade e a esperança em seu olhar que permaneciam
fielmente no mesmo lugar. E então o garoto finalmente percebeu que não deveria
temer perder-se no tempo, ou entre mudanças, ou pela vida afora. Porque se os
últimos oito anos provaram alguma coisa, foi que o garoto ainda vivia firme e
forte dentro daquele novo alguém. Aquele novo homem que mesmo cansado e um
pouco quebrado, cheio de souvenirs e lembranças que a vida lhe trouxe e guardou
em seus olhos e seu coração, ainda iria adorar o amanhã.
Duas vidas feelings.. mas com essa consciência desde já e não aos quarenta-e-poucos anos ^^
ResponderExcluirSem Palavras... Muito lindo, muito você
ResponderExcluirBacana man ..
ResponderExcluirda hora
ResponderExcluirÉ peculiar e engraçado a forma como consigo sentir a fiel sensação da sua escrita que passa uma verdade incrivelmente linda, e que mesmo te conhecendo pouco, ao ler algo extraordinário em um simples post, me fez identificar com a pessoa mais intima que existe aqui dentro, dentro de qualquer ser, de um ser humano que "esconde-se" pela bandagem fantasiosa da vida.
ResponderExcluirAgradeço por nos proporcionar uma leitura digna de emoção sincera.