Algo está errado. Não sei se sou eu quem continua
fazendo as escolhas erradas, ou que insiste em não admitir que comete erros, ou
que finge em acreditar que não está mais aspirando por um relacionamento, ou
qualquer outra coisa alheia ao meu universo que colidiu em mim sem querer. Eu
não sei. A vida anda confusa, pesada, cansada, ofegante. Anda tão insensível e
alucinada que me fez até desmaiar de sono em plena quinta-feira à tarde; como
se eu simplesmente não tivesse orientação de TCC pra ir, banho pra tomar e
compra de mercado pra fazer. Mas foi só deitar na cama por quinze minutos, que
de repente três horas se passaram. E é assim que o resto da minha vida se
parece: eu mato um pouco de tempo aqui e ali, e quando me dou conta de novo
todos os prazos se expiraram, as pessoas cansaram de esperar e nada do que eu
esperava aconteceu. Algo está errado e eu até tenho uma suspeita do que pode
ser. E infelizmente, pensando bem, não é algo que está errado. Sou eu mesmo.
Essa vida que você pensa que conhece
tanto, Igor, não é esse mar de rosas todo. De tardes de tereré na sacada,
jantares com amigos e estoques inacabáveis de essências para arguile sob os
quais você anda alternando, isto quando não joga tudo para o alto e decide se
esconder na boa e velha justificativa de que "só se vive uma vez" e
faz tudo isso em um só dia. Não quer dizer que isso não seja bom, mas entre receber
os amigos em casa ou sair por aí com eles, isto quando não está trabalhando ou
cumprindo pena na faculdade, ainda sobra este desgraçado tempo livre que não me
permite descansar. Porque me deixa ocupado pensando demais sobre a minha
própria vida e estes pequenos intervalos que podem durar até mesmo alguns
minutos, mas ainda são capazes de me fornecer munição o suficiente para que eu
dance loucamente com as minhas neuroses até ficar tonto, enjoado e preocupado
com o que diabos eu estou fazendo dessa minha existência gorda e preguiçosa.
Eu deveria estar fazendo algo bem melhor
do que escrever sobre isso, mas entre a chuva lá fora, os amigos ocupados,
evitar fazer o meu relatório de estágio e a pizza que não chega, divagar sobre
o sentido da vida foi o que me restou. Confesso que tem sido uma vida muito
boa, mas eu estou longe de ter todas as respostas a ponto de dar conselhos
certeiros aos outros sobre como ficarem tão tranquilos quanto eu, ou como
encontrarem tudo aquilo que procuram. Quem sou eu pra dizer algo assim, sendo
que tudo que eu sempre quis eu só alcancei quando estava distraído ou
desiludido. Nem sei se seria bom procurar muito por algo e finalmente
encontrá-la um dia; não pareceria certo ou quem sabe até real.
Aquela velha teoria sobre acreditar
que tudo acontece por um motivo se provou para mim de novo quando eu percebi
exatamente o quanto não beber fez bem não só ao meu organismo e a minha pele,
mas aos meus insights também. Cá entre nós, se eu pudesse me perder em alguns
copos de uísque agora, nós não estaríamos tendo este devaneio. Assim como eu
não teria descoberto várias outras coisas que eu não era capaz de enxergar
antes, provavelmente porque a cerveja deixava meus olhos semi-abertos depois de
um tempo. Estar sóbrio me permitiu rever alguns conceitos que depois de anos de
tentativas-e-erros, e de finalmente acertar, eu simplesmente os guardei na
estante para mostrar para as visitas o quando eu havia aprendido na vida e como
eu estava bem. Só que o problema de guardar as coisas na estante é que elas
pegam poeira. Muita poeira. Tanta, aliás, que se você não se atentar e cuidar,
elas perdem o sentido. Bom, eu perdi o sentido por alguns meses, mas o fato de
eu não estar me referindo a estar sozinho em casa em um fim de semana como
"sobreviver a mim mesmo e ao mundo
real" já faz uma grande diferença hoje.
Eu ainda penso demais na vida e nas
pessoas e situações que passaram por mim. E por muito tempo eu me importei
demais com tudo aquilo que passou, que não ficou, que me magoou e seguiu em
frente sem olhar para trás para ver se eu havia conseguido me levantar de novo.
Não mais. A vantagem de estar sóbrio é que você sempre consegue reencontrar seu
caminho de volta para casa, e de lembrar com clareza quem te ajudou a chegar
lá. Foi assim que eu abri mão de algumas pessoas sem me importar em dizer
adeus, a deixar de frequentar alguns lugares que eu costumava ir por comodidade
e não diversão, e a compreender melhor a filosofia do que exatamente é passar
um fim de semana com amigos, ou sentir que posso confiar em alguém, ou começar
a perceber que amor é este com o qual eu sonhei por anos, e que quando
finalmente apareceu eu a abandonei. Até o Existencialismo tem uma cara boa pra
mim agora.
Eu vou me organizar. Vou aprender a
valorizar os amigos que selecionei, mas sem me esconder neles para evitar algo
ou alguém nova. Vou aprender a andar com as próprias pernas para caminhos que
fogem da minha rotina, para o meu próprio bem. Provavelmente vou continuar
pensando sobre vida, especialmente durante os intervalos entre músicas,
relacionamentos e a espera pela pizza que não chega. Vou continuar sem beber
por mais dois meses e meio porque essas são as ordens da médica, e porque algo
me diz que existe um mundo muito mais além do meu universozinho gordo e feliz
do que eu já fui capaz de perceber. Mas acima de tudo, eu vou ficar bem. Aliás,
nós ficaremos bem. Entre pessoas, filosofias, tererés, uísques, neuroses e o
universo, é nisso que eu mais acredito.
E te digo mais: a pizza chegou.
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