Eu me lembro como se fosse ontem. Era uma sensação que jamais me
abandonava porque de tanto senti-la, já era familiar demais para ser
considerada como mero devaneio. Acontecia quando eu me pegava olhando para o
horizonte, ou quando começava a sentir aquele algo a mais por alguém, ou quando
eu estava simplesmente distraído em uma multidão sem dar atenção ao que estavam
me dizendo. E ao mesmo tempo em que eu a sentia a esperança, imaginava o sonho
e me lembrava do olhar daquela mulher cuja qual eu estava desesperado para me
tornar a razão do seu afeto, a desesperança também me acompanhava.
Eu sempre achei incrível o quanto as
pessoas mais desesperançosas pareciam as mais merecedoras do amor. Isso porque
eu sempre imaginei o vazio em seus olhos como resultado de um círculo vicioso:
como se aquele olhar tivesse se prendido à alguém um dia, alguém que não a
queria ao seu lado e a empurrou para longe, fazendo-a derrubar todos os seus
sonhos no chão só para vê-los se espatifarem no asfalto da onde jamais seriam
recolhidos de novo. Era isso que o olhar das pessoas amarguradas representava
pra mim, e por muitos anos esse foi o meu maior medo. Me encarar no espelho um
dia e me deparar com a ausência do meu otimismo, o brilho da minha esperança, a
razão do meu afeto.
E eu estava quase ao ponto de desistir,
de realmente acreditar que não existem razões para acreditar, quando ela
apareceu. Da desesperança, do cansaço e dos fantasmas que tomaram o lugar das
minhas fantasias, o amor surgiu. E o que parecia ser só o refrão de uma música
agora estava diante dos meus olhos falando comigo, rindo comigo, amando comigo.
Nós encontramos amor em um lugar sem esperanças, ou então um mero ponto de
encontro entre dois portos abandonados: o meu coração e o seu.
E por um tempo nós fomos felizes.
Com as nossas conversas sem sentido, músicas deprimentes que nos faziam feliz,
caminhadas sem rumo pela cidade e beijos que trocávamos que jamais queríamos
que terminassem. Mas os beijos terminaram e confesso que a culpa foi minha. Eu
sinto muito, mas eu não estou acostumado a ser feliz. Quer dizer, eu tinha
momentos de esperança e glória antes de te conhecer, mas a verdade é que eu não
estava acostumado a ser feliz com outra pessoa. E a outra verdade, ainda mais
dolorosa e preocupante, é que eu não sei se um dia eu realmente vou me
acostumar, mesmo que alguém tente encontrar amor em mim de novo.
Eu tenho medo de ficar sozinho. Só
que entenda; não é medo que você sente por andar em uma estrada escura no fim
do dia para chegar à sua casa, ou o medo de que nenhum dos seus amigos esteja
disponível para te fazer companhia em um fim de semana. Não. Eu também me
lembro como se fosse ontem da maior discrepância, incoerência e contradição que
me tornou quem eu sou; da necessidade incansável de querer alguém para amar, e
ao mesmo tempo a frustrante conformidade de que eu jamais encontraria.
Não é fácil encontrar alguém para
amar. Para variar os seus dias, te dar forças para continuar quando o mundo te
contrariar, e te fazer passar raiva e ao mesmo tempo alegria pelo simples fato
de que ela ainda está ali, completamente aberta e disposta a amar você também
mesmo com todos os seus defeitos, imperfeições e manias de regular as cobertas
e não jogar a caixa de leite fora da geladeira depois que ele acaba. E assim
como o fenômeno inexplicável do otimismo que nasce em mim, fruto da minha
descrença de que eu encontrarei o amor de novo, outra incoerência arrebatadora
me atingiu enquanto eu andava pelas ruas da cidade tentando não me perder ou
tropeçar na felicidade alheia. Mesmo com o olhar esvaziado, até eu consegui
enxergar que o amor estava em toda parte. Convenhamos que não é fácil encontrar
alguém para amar, mas algum de nós tem total certeza do que está procurando? Ou
não estamos todos à deriva do destino, apenas tentando sobreviver enquanto alguém
não se dispõe a nos salvar e nos acolher em sua casa, sua cama e seu coração?
Nós aplicamos tantas regras,
condições e restrições para o amor até que o campo de pesquisa limite-se ao
extremo e comprove os nossos medos. De que não há ninguém para nós lá fora. De
que ninguém além das nossas mães pensa em nós antes de dormir. De que há algo
muito errado conosco que nos impede de compartilhar nossas faíscas de
felicidades com alguém. Não... Até um desiludido cansado, gordo e perdido como
eu te dirá que o amor está em toda parte e só depende de você deixá-lo entrar.
O segredo não é abrir mão de toda a esperança, mas de parar de esperar que tudo
será do jeito que você pensou que ia ser. Porque você não é perfeito e adivinhe
só: ela também não será. Mas vocês podem tentar ser felizes mesmo assim. Não se
acostume com o que não te faz feliz, mas também não se conforme com ficar
sozinho.
Anos atrás eu tive a sensação
assustadora de que jamais encontraria alguém. E depois de tê-la encontrado, de
errar miseravelmente com ela e de pedir educadamente que ela se retirasse da
minha casa porque eu não estava pronto para dividir meus rascunhos de vida com
ela, aqui estou de novo. De volta ao lugar-comum da solidão, da segurança do eu
e somente eu, e dos choros comedidos e tradicionais da desesperança. E se tem
uma coisa que eu aprendi depois de todos esses anos, é que logo encontrarei o
amor neste lugar sem esperanças de novo.
Pelo menos é isso que eu espero...
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