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Precisamos conversar


            Essas provavelmente são as quatro palavras mais assustadoras que uma pessoa pode ouvir. Porque você “precisa” falar comigo? Em vês de só conversar, livremente e arbitrariamente, você “precisa” falar comigo? O que foi que eu fiz? Já estava assim quando eu cheguei. Você deve ter entendido errado. Não foi aquilo que eu quis dizer. Ou foi, não sei, mas talvez eu tenha dito com a entonação errada. É isso, você não me ouviu direito. Ou eu disse errado. Ou eu fiz errado. Ou eu não fiz nada, e você esperava que eu tivesse feito. O que você quer afinal? Me diga agora! Não deixe para depois o castigo que você quer me dar agora. Por que tem que ser pessoalmente? Por que algo tem que ser dito afinal?! Eu achei que estava tudo bem. O que está acontecendo?
            O que aconteceu foi que as pessoas não conversam mais, vide a necessidade de pedir a você que precisamos tirar um tempo das nossas vidas ocupadas, nossos compromissos inadiáveis e nossas outras mil pessoas em nossas vidas para falar sobre nós e como estamos – e, principalmente, sobre o que vamos fazer. Porque não está tudo bem. Nós podemos continuar fingindo que está, e empurrar com a barriga até aonde der, mas e aí? Tudo tem limite, inclusive nós, e quando cairmos dele não me diga que eu não tentei.
            O silêncio grita. As palavras não ditas sufocam e as decepções que se mantém escondidas atrás de um sorriso amarelo e torto podem ser o gatilho definitivo para o fim de qualquer relacionamento, amizade ou ligação entre duas pessoas que se importam muito uma com a outra, até que alguém fez algo que o outro não gostou. Só que em vês do outro dizer que não gostou, ele guardou para si. Talvez porque quis se convencer de que aquilo não teve importância. Ou de que aquilo não machucou. Ou de que você não quis dizer aquilo. E aí acabamos conversando com nós mesmos para evitar admitir que precisamos conversar uns com os outros.
            Pior mesmo é quando eu e você não só evitamos de nos falar, mas trazemos reféns inocentes ao nosso eixo do mal-entendido. E repetimos a história tantas vezes que acabamos por decidir que conversar não adianta. Porque se você realmente se importasse, não teria dito o que dito. Porque Fulano entendeu o que eu senti, enquanto você não percebeu nada. Esse é o problema dos relacionamentos atuais: às vezes quando você pensa que não disse nada, o outro faz do seu nada o universo. E não só é capaz de se perder nele, mas se fere cada vez mais a medida em que insiste em não avisar a você que aquilo doeu. Que você não é mais o mesmo. Que você sumiu. Que eu sinto a sua falta. Que nós precisamos nos ver. E que tudo isso só vai ser possível se a gente sentar, olhar nos olhos um do outro e dizer tudo o que queremos dizer. Tudo o que precisamos dizer.
            Quanto a mim, ultimamente eu tenho dado crédito instantâneo a qualquer um que se disponha a me dar atenção. Não é questão de auto-estima baixa, carência ou transtorno bipolar. Mas se tem uma coisa que dois meses e meio de sobriedade me ensinaram é que não só os amigos de verdade são muito mais significativos do que as companhias abstratas de festa que nós arrumamos por aí, como a reciprocidade que eu venho recebendo deles é muito mais importante do que qualquer foto em conjunto na festa do último final de semana. Eu gosto das pessoas, especialmente das minhas pessoas. Gosto de conversar com elas, de saber como foi o seu dia e de como você está. Se tiver algo que eu possa fazer, me diga. E se tiver algo que está me incomodando, nada mais justo do que eu avisar a você de que não, não está tudo bem.
            Não é a toa que fazemos manutenções preventivas em aparelhos e máquinas, mas e quanto a impedir que nossos relacionamentos atrofiem? O que aconteceu com o tempo em que nós conversávamos só por conversar. Quando estávamos contentes só por estarmos juntos. Quando não precisávamos de nada a mais um do outro, porque estávamos em tamanha sincronia que você sempre era capaz de perceber que eu estava precisando de um abraço, ou de uma palavra amiga, às vezes de um conselho ou uma direção. E na grande maioria das vezes, eu simplesmente precisava de que você estivesse aqui, ou de que você me procurasse de vez em quando também.
            Para mim, mais assustador do que ouvir alguém dizer que precisa falar comigo, é quando alguém com quem eu conversava muito já não parece mais tão ansiosa para que troquemos palavras. E cá entre nós, ultimamente eu venho aprendendo cada vez mais que não existem pessoas importantes na vida com as quais é preciso conversar, porque elas geralmente costumam estar sempre por perto. Mas ainda há aquelas que decidem falar tarde demais.

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