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Outros quinhentos


            Eu faço isso já faz algum tempo. Esse negócio de sentar e escrever sobre o que eu penso, o que eu sinto, o que eu quero... Acontece que, depois de um tempo, é fácil se perder entre as palavras. Entre as pessoas, os lugares e tudo mais que me cerca. Não é a toa que às vezes eu não sei o que dizer. Mentira. Muitas vezes eu não sei o que dizer. O que pensar, o que sentir. O que fazer. Muitas vezes eu não sei nada. Como se de tanto escrever tudo, eu me esvaziasse aos poucos. Ontem isso era bom. Eu escrevia esperando pelo alívio, pela redenção. Era como se tudo aquilo, uma vez emoldurado em períodos e parágrafos, não me pertencesse mais. Como se aquela dor não tivesse atravessado o meu coração. Como se aquelas lágrimas não tivessem sido choradas por mim. Mas aos poucos eu percebi que não era apenas a dor que estava indo embora. A vida inteira estava passando diante de mim, preenchendo-me e esvaziando-me constantemente como se eu fosse apenas um copo de bebida. O que é irônico, porque ainda vai demorar algum tempo para que eu realmente possa encher um copo de bebida de novo. Felizmente, ironia me alimenta e me atordoa ainda mais do que qualquer dose de uísque já foi capaz de proporcionar.
            Eu fico bêbado muito fácil com as ironias da minha vida, que já são o bastante para dispensar qualquer open bar que possa estar à minha disposição. A ironia de detestar Cascavel durante meus primeiros meses aqui, de desejar desesperadamente voltar para casa mesmo quando eu estava em casa e de decidir escrever tudo o que eu estava sentindo para evitar me perder por aqui é impagável, visto que agora é difícil para mim me imaginar longe daqui, andando pelas ruas que passo todos os dias, pelos rostos que conheci pelo caminho e imaginando as figuras de linguagem que se encaixariam para cada um deles quando relembro nossas histórias juntos.
            Algumas tiveram começos constrangedores, enredos tenebrosos e desfechos frustrantes. Outras jamais começaram, porque eu era tímido demais para puxar conversa com você, ou porque você achava que não havia nada demais em mim para despertar seu interesse por qualquer odisseia. Algumas continuam, apesar de terem se afundado em hiatos dos quais parecem que não vão despertar tão cedo, mas ainda estamos juntos. Apesar da minha triste facilidade de abandonar ou expulsar pessoas da minha vida, eu acredito que estaremos juntos de novo em breve. Quando a loucura cessar, os compromissos se ajustarem e a vida tomar piedade de nós, tudo será como antes. E mesmo que não seja, pelo menos estaremos juntos. Nós sempre fomos brilhantes juntos, independente da onde estamos ou o que estamos fazendo.
            499 desabafos atrás, eu costumava ser outra pessoa. Outra pessoa que estava apenas começando uma nova fase da vida, e estava prestes a se adaptar a outros contextos aos quais jamais pensou que daria conta. Que adolescente de 17 anos está realmente preparado para morar sozinho? O que fazer com os temores que o primeiro emprego despertou em mim? Como dizer para aquelas pessoas sentadas ao meu redor na faculdade que eu tinha medo delas, por achar que teriam medo de gostar de mim? Como se sobrevive sozinho no mundo real? Não se consegue, é isso. Eu costumava escrever muito sobre o passado, sobre o que eu pensava ter sido os melhores anos da minha vida. Por mais otimista que eu pensava ser, tudo aquilo era infame e infantil demais pra ser levado em conta hoje. Confesso que é poético. É bonito de ler, de mostrar pros amigos quando eles se sentem desamparados e desesperançados, mas definitivamente não é possível de se reviver.
            Mesmo achando que não seria capaz, eu cresci. Eu saí por aí e conheci pessoas que jamais pensava serem reais. Pessoas que me levaram a lugares que eu não acreditava que pudessem existir. E juntos criamos histórias que eu nunca sonhei em poder escrever um dia. As ironias da minha vida nunca param, e até quando eu sofro com elas ainda sou capaz de captar a mensagem subliminar que existe ali e sorrir por alguns segundos. Porque me faz pensar que seria interessante escrever sobre aquilo, e descobrir que mais alguém se sentia da mesma maneira é um bônus deveras gratificante.
            Eu acredito que cativei algumas pessoas ao longo da minha jornada. Definitivamente, mais pessoas do que eu esperava encontrar. Logo eu, que criava tantas expectativas para o amanhã, não imaginava que às vezes ele podia ser tão duradouro, e que às vezes podia vir rápido demais. Quando eu olho no espelho e vejo a barba por fazer, o que eu realmente enxergo são enxertos que a vida criou em meu rosto a medida que eu a ultrapassei, obstáculo por obstáculo, desilusão por desilusão, até finalmente voltar ao espelho do banheiro e me pegar suspirando, pensando “Meu Deus... Como eu cheguei até aqui?”. É a mesma sensação que me levanta de manhã, e que antes mesmo que eu coloque meus pés de volta no chão, me faz parar e dizer, “Ok... Lá vamos nós de novo.
            A medida em que eu me afundei cada vez mais em mim, cavando meu caminho dentro da neurose angustiante e alucinante que compõe o meu ser a cada texto melancólico que escrevi durante os últimos quatro anos, eu descobri que o universo que existe dentro de mim pode ser tão colossal quando aquele que me acolhe do lado de fora. A diferença é que do lado de fora temos o sol e as estrelas, que deixam tudo mais bonito independente se está claro ou escuro. Dentro de mim costuma ser sempre escuro, salvo alguns insights que criam claridade o suficiente para que eu mesmo não me engula por completo e termine de desperdiçar todo esse potencial ambulante que eu carrego embrulhado comigo há (quase) 22 anos, ainda sem saber o que fazer com ele.
Não só eu descobri muito mais sobre mim do que era possível enxergar através da barba no espelho, eu descobri as pessoas, o mundo ao meu redor e exatamente o que eu esperava disso tudo.
            Talvez não tenha chego a nenhuma resposta concreta ainda, mas ao menos consegui identificar alguns desgostos e medos. Aprendi que alguns lugares não me deixam confortável, que algumas pessoas não foram feitas para mim e que, se tudo mais falhar, eu só gostaria de não estar sozinho. Eu costumava escrever sobre o amor de uma maneira muito mais singela e romântica do que eu sou capaz de vivenciar hoje. Porque eu aprendi bastante, sofri demais, beijei um bocado e descobri que talvez o amor não seja tudo aquilo que eu sonhava. Talvez seja até mais do que eu esperava, ou talvez simplesmente não exista. Eu não sei. Eu costumava dizer que esta desilusão natural era produto do nosso desencontro constante. Eu não a conheci ainda, era a desculpa. Quem sabe eu a tenha conhecido sim, mas não fui com a sua cara. Talvez você não tenha ido com a minha. Talvez eu tenha passado reto por você na rua e nem notei,. Porque por mais que eu acredite que nasci pra te amar, talvez eu não tenha nascido para ficar com você. Pode ser que eu te ame mais que ele, mas é com ele que você vai ficar. Eu não sei...
            Uma coisa é certa. Eu descobri que não posso parar de escrever. Por mais que a inspiração drene todos os meus sonhos para longe de mim. Por mais que a vida me interrompa. Por mais que eu não te encontre, ou por mais que você insista em não existir. Porque é algo que me faz feliz. Que me tira do abismo, me traz de volta ao mundo, contextualiza minhas músicas favoritas e anima as minhas noites mornas de Domingo e solidão. Eu preciso não ficar sozinho. E enquanto não tiver alguém que finalmente se imponha contra a minha loucura, a minha neurose e a minha insensatez, vou me obrigar a me arrastar para fora da cama e voltarei ao meu lugar. De frente com uma folha virtual do Word que escancara a minha alma e arranca de mim toda a verdade inconveniente e inquietante que eu passo dias fingindo que não existe, até que ela mesma se impõe e se expressa através dos meus dedos antes que eu mesmo seja capaz de perceber o que foi que aconteceu. Vivo para isso, na falta de ter alguém para cuidar ou até mesmo louça para lavar.

            Há 500 posts, eu escrevo sobre tudo. Sobre a vida, o amor e a felicidade. Se algum dia eu finalmente os alcançarei e cessarei esta maratona incansável de vírgulas e indagações, bom, isso é assunto para outro texto. E não vai ser da noite pro dia. São outros quinhentos...

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